sexta-feira, 13 de novembro de 2020

“PAULO DE TARSO” NO AREÓPAGO DA MADEIRA

                                                                               


Quanto se escreva, quanto se fale e quanto se cale – seja tudo um golpe de asa dominando a onda do tempo. neste tempo de longas vagas! Se navegar é preciso, surfar é-o muito mais. Num livro, num olhar, num poema,  num toque, mudo ou sonoro, até no confinamento, indesejado mas aceite,  reinventar-se e vencer a fraga-praga do século – eis o que é preciso.

         Ora, aconteceu aqui, Madeira, cidade do Funchal, julgo que em nenhum outro país ou região tenha acontecido. Foi o Padre José Luís Rodrigues quem sulcou a maré cheia e corajosamente içou a bandeira olímpica na praia primeira do poder político da Madeira. Pela sua mão e pela sua intuição, o ilustre sacerdote, figura prestigiada do clero madeirense, conseguiu arvorar em plena sala magna do Parlamento Regional  a Palavra da Verdade, a nova Constituição Planetária – por isso lhe chamo bandeira olímpica – a última encíclica do Papa Francisco, FRATELLI  TUTTI.

         Concorde-se ou não (a Religião para o púlpito e a Política na tribuna, advogam os opositores) o certo é que se tratou de um facto histórico, único no percurso de 44 anos de Autonomia, o qual ficará indelevelmente gravado nos Anais da Assembleia Regional da Madeira. Por dois motivos: pelo local, sede do poder autonómico e, com maior pertinência, pelos protagonistas intervenientes no evento, precisamente os representantes dos partidos com assento no Parlamento e respectivo Presidente. A estes dois motivos, adiciono um terceiro, o nuclear, ou seja, a mensagem de fraternidade e justiça social do Papa Francisco, como caminho para a Paz Universal.

         O registo visual do Padre José Luís Rodrigues, na qualidade do moderador, ladeado pelos  líderes parlamentares, só me fez evocar o Grande Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes, em pleno Aerópago de Atenas, a Academia dos pensadores, filósofos, artistas e políticos da Antiga Grécia. Vem no capítulo 17, 15-34 do Livro dos Actos dos Apóstolos.

         Mas, tal como em Atenas, também aqui seria sumamente útil verificar quais os reflexos desta prestimosa investida doutrinal na nossa “Casa das Leis”. É ali, rigorosamente, o meio ambiente ideal para fazer a semeadura das palavras do Bem, pondo por escrito o pregão pontifício da Justiça e Paz, através de propostas, recomendações e decretos. Resta saber se a encíclica FRATELLI  TUTTI  entrou ali para ficar ou foi apenas réstia de um sol de  outono que alumia mas não aquece. Enfim, sol de pouca dura. Para quem já passou por essas bandas, sabe por observação directa, quantas e tantas vezes os delegados do Povo aprovam ou matam o que a consciência desmente, o que o Povo recusa. Que lhes diria o Papa Francisco se ali estivesse na galeria do público?... O xenófobo, racista e tribal Trump também se apresentou diante duma igreja, de bíblia na mão…

         A sublinhar o arrazoado aqui produzido, cito uma das mais dramáticas interrogações da encíclica: “Que significado têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade?... Foram manipuladas para usá-las como instrumentos de domínio”. Temo que todos os partidos, de um extremo a outro, se apropriem das palavras do Papa, não para confrontar-se a si próprios, mas para servirem de arremesso aos adversários. Coisa assim parecida com os solenes discursos presidenciais na República. Todos aplaudem, mas quando tocam na ferida é sempre com os outros…               

 

Voltando ao Areópago ateniense, quando se preparava para aprofundar a sua mensagem libertadora, Paulo de Tarso  foi convidado a sair  do salão nobre com um diplomático articulado: Audiemus te iterum, ouvir-te-emos outro dia… No Parlamento madeirense, a iniciativa do Padre José Luís Rodrigues foi aplaudida lá dentro e muito mais fora dele. Fica por saber o sucesso de tamanho esforço. Roçando as raias de um pessimismo fundamentado, permitam-me recorrer a um velho aforismo da gíria corrente entre clérigos acerca dos retiros anuais: “Não há nada mais inútil que pregar a padres e bispos. Nenhum se converte”. E se isto se diz de uma comunidade recomendada, que se não há-de dizer da classe política?...

No entanto, é preciso surfar, “semear canções ao vento que passa”. Algo há-de ficar! Todos nós faremos por isso. O Povo é quem mais ordena!

 

13.Nov.20

Martins Júnior

 

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