quarta-feira, 11 de novembro de 2020

DA AGRESSÃO AO ABRAÇO NUMA HISTÓRIA DE GUERRA E PAZ

                                                                         


Pode o pequeno arbusto romper a terra onde nasceu, que nem um ai se lhe sente em redor. Cresce, avoluma-se o tronco, alarga os braços, sobe ao cimo das torres seculares, torna-se gigante da montanha… e nem um leve sopro se levanta na construção da enorme pirâmide verde que domina a floresta.

         Na diversificada orografia da paisagem humana, casos há que valem não pelo fragor atordoado que produzem, mas pela silenciosa ascese da seiva que sobe das raízes subterrâneas e alcança as nervuras das folhas distantes. Não há peças de artilharia sonante, nem passadeiras vermelhas à entrada, nem sequer palavras… A alma das coisas e das gentes sobrepuja o corpo de onde saiu.

         Ocorreu ontem neste exíguo vale, incrustado no grande vale de Machico. Para o grosso da multidão, “nada de novo a leste”. A leste da ilha. Mas no vasto terreno da história – uma história semi-secular – aconteceu apenas isto: a Assembleia mensal do presbitério pertencente ao Arciprestado de Machico-Santa Cruz. Todos os párocos desta circunscrição diocesana marcaram presença: Caniço e Eiras, Assomada, Gaula, Achada de Gaula, Santa Cruz, Água de Pena, Machico, Piquinho e Preces, Ribeira Seca, Caniçal e Santo António da Serra. Sob a presidência do Bispo da Diocese, assessorado pelo Vigário Geral.

         Palavras dispensam-se para qualificar o evento.

         Foi emocionante a Oração de “Tércia” naquela igreja – antes, igreja amaldiçoada pelo poder religioso e pelo poder político da Madeira… e, agora, templo de Oração Sacerdotal. Padres – antes, implicitamente proibidos de oficiar na igreja da Ribeira Seca… e, agora, em paz fraterna, debaixo do mesmo tecto, unidos “numa só alma e num só coração”!

         Prosseguiu a Ordem de Trabalho, no salão-biblioteca, sob os ‘olhares’ inspiradores  do (para mim, santo) Padre António Vieira e os não menos veneráveis Nelson Mandela, Luther King, Mahatma Gandi, Teresa de Calcutá e a ‘supervisão’ do Papa Francisco.

         Assim como dispenso mais palavras, também passo ao largo dos considerandos e relevantes interpretações que este, aparentemente, mero caso de rotina suscita e merece , sobretudo tendo em conta o cenário de fundo que lhe está associado. Ficarão, por enquanto, ao critério de cada observador.

         De tudo, porém, solta-se esta onda luminosa e apaziguadora: a agressão reiterada durante quase meio-século contra esta porção do “Povo de Deus” deu lugar ao abraço. A Paz, uma paz dinâmica e esclarecida, dissipou enfim as sombras paralisantes de uma guerra injusta.

         Em tempo de pandemia, esta é uma variante da vacina que cura o espírito.

 

          11.Nov.20

Martins Júnior

1 comentário:

  1. Um bem haja a todos os que contribuiram para que esse momento fosse vivido.
    Que Deus os abençoe.

    ResponderEliminar