Quanto
se escreva, quanto se fale e quanto se cale – seja tudo um golpe de asa
dominando a onda do tempo. neste tempo de longas vagas! Se navegar é preciso, surfar é-o muito mais. Num livro, num
olhar, num poema, num toque, mudo ou
sonoro, até no confinamento, indesejado mas aceite, reinventar-se e vencer a fraga-praga do século
– eis o que é preciso.
Ora, aconteceu aqui, Madeira, cidade do
Funchal, julgo que em nenhum outro país ou região tenha acontecido. Foi o Padre
José Luís Rodrigues quem sulcou a maré cheia e corajosamente içou a bandeira
olímpica na praia primeira do poder político da Madeira. Pela sua mão e pela
sua intuição, o ilustre sacerdote, figura prestigiada do clero madeirense,
conseguiu arvorar em plena sala magna do Parlamento Regional a Palavra da Verdade, a nova Constituição
Planetária – por isso lhe chamo bandeira olímpica – a última encíclica do Papa
Francisco, FRATELLI TUTTI.
Concorde-se ou não (a Religião para o
púlpito e a Política na tribuna, advogam os opositores) o certo é que se tratou
de um facto histórico, único no percurso de 44 anos de Autonomia, o qual ficará
indelevelmente gravado nos Anais da Assembleia Regional da Madeira. Por dois
motivos: pelo local, sede do poder autonómico e, com maior pertinência, pelos
protagonistas intervenientes no evento, precisamente os representantes dos partidos
com assento no Parlamento e respectivo Presidente. A estes dois motivos,
adiciono um terceiro, o nuclear, ou seja, a mensagem de fraternidade e justiça
social do Papa Francisco, como caminho para a Paz Universal.
O registo visual do Padre José Luís
Rodrigues, na qualidade do moderador, ladeado pelos líderes parlamentares, só me fez evocar o
Grande Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes, em pleno Aerópago de Atenas, a
Academia dos pensadores, filósofos, artistas e políticos da Antiga Grécia. Vem
no capítulo 17, 15-34 do Livro dos Actos dos Apóstolos.
Mas, tal como em Atenas, também aqui
seria sumamente útil verificar quais os reflexos desta prestimosa investida
doutrinal na nossa “Casa das Leis”. É ali, rigorosamente, o meio ambiente ideal
para fazer a semeadura das palavras do Bem, pondo por escrito o pregão
pontifício da Justiça e Paz, através de propostas, recomendações e decretos.
Resta saber se a encíclica FRATELLI TUTTI
entrou ali para ficar ou foi apenas réstia de um sol de outono que alumia mas não aquece. Enfim, sol
de pouca dura. Para quem já passou por essas bandas, sabe por observação
directa, quantas e tantas vezes os delegados do Povo aprovam ou matam o que a
consciência desmente, o que o Povo recusa. Que lhes diria o Papa Francisco se
ali estivesse na galeria do público?... O xenófobo, racista e tribal Trump
também se apresentou diante duma igreja, de bíblia na mão…
A sublinhar o arrazoado aqui produzido,
cito uma das mais dramáticas interrogações da encíclica: “Que significado
têm hoje palavras como democracia, liberdade, justiça, unidade?... Foram
manipuladas para usá-las como instrumentos de domínio”. Temo que todos os
partidos, de um extremo a outro, se apropriem das palavras do Papa, não para
confrontar-se a si próprios, mas para servirem de arremesso aos adversários.
Coisa assim parecida com os solenes discursos presidenciais na República. Todos
aplaudem, mas quando tocam na ferida é sempre com os outros…
Voltando
ao Areópago ateniense, quando se preparava para aprofundar a sua mensagem
libertadora, Paulo de Tarso foi convidado
a sair do salão nobre com um diplomático
articulado: Audiemus te iterum, ouvir-te-emos
outro dia… No Parlamento madeirense, a iniciativa do Padre José Luís Rodrigues foi
aplaudida lá dentro e muito mais fora dele. Fica por saber o sucesso de tamanho
esforço. Roçando as raias de um pessimismo fundamentado, permitam-me recorrer a
um velho aforismo da gíria corrente entre clérigos acerca dos retiros anuais: “Não
há nada mais inútil que pregar a padres e bispos. Nenhum se converte”. E se
isto se diz de uma comunidade recomendada, que se não há-de dizer da classe
política?...
No
entanto, é preciso surfar, “semear
canções ao vento que passa”. Algo há-de ficar! Todos nós faremos por isso. O
Povo é quem mais ordena!
13.Nov.20
Martins Júnior
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