É o meu recanto e o meu observatório de
cada início de semana, a qual, sendo numericamente repetida, ganha um halo
sempre novo quando vista deste lugar cimeiro. Hoje, no lugar cimeiro está o LIVRO e dentro dele,
no dizer de Alfred Tommyson, “o mais belo poema dos tempos antigos e modernos”.
Passando além das diversas interpretações críticas – história ou conto – vejo-o
como uma bem argamassada alegoria épica que toca a grandeza e a miséria do Homem,
a sua genética fragilidade e, ao mesmo tempo, a resiliência vitoriosa de que é
capaz.
Nesta hora, apraz-me tão só reconfirmar
o veredicto do Rei Sábio, Salomão, quando se deu de contas de que nihil
sub sole novi – “nada de novo acontece debaixo do sol”. Ajuda imenso ao equilíbrio do nosso composto
psico-somático constatar que, antes de nós, ou longe ou perto, são idênticas as
pedras do caminho e são os mesmos os contornos da viagem.
Recomendo a leitura do “Libro de Job”, todo inteiro, mas
particularmente no caso em apreço, o capítulo 7, versículos 1-10. Aí estão os
sintomas de toda a morbilidade humana, com um tal realismo e uma tal crueza que
parecem escritos pela nossa própria mão. Até em tempos de pandemia:
A
minha vida é como o vento que passa … a minha pele está seca, gretada … toda a
noite dou voltas na cama até de madrugada … os meus olhos nunca verão a
felicidade … Os olhos (de quem me ama) não
tornarão a ver-me … E quando os teus olhos me procurarem, eu já não existirei …Como
a nuvem que passa e se desfaz, aquele que desce à sepultura nunca mais voltará
a subir… nunca mais voltará à sua casa e o seu lugar jamais o conhecerá…
Trágico,
deprimente, assustador! Certo. Mas não menos certo é constatarmos hoje, século
XXI que, já no século VII A.C., (há
mais de 2.700 anos) gente como nós sentia no corpo e no espírito o aguilhão da
dor e, no caso de Job, da mais dura desilusão e do mais pérfido desespero. A
História, seja repetição ou mera sucessão de factos, nunca deixa de ser a roda
gigante que toca a todos, seja no epicentro, seja na periferia dos tempos.
Contrariando o clássico axioma, ousarei
dizer que a vida é o grande rio que passa muitas e tantas vezes debaixo da
mesma ponte.
Neste clima (aparentemente) estranho, onde as expectativas
alternam com os reais dramas diários, o grande avatar que nos povoa tem um nome
de mil rostos: sofrimento. Ousar fugir-lhe é como fugir da própria sombra.
Confrontá-lo, derrubá-lo ou ultrapassá-lo – eis a saída. Tal como o velho lobo
do mar que na velas sabe captar o vento contrário para levar a bom porto a sua nau,
assim também o viageiro inato que há dentro de cada um de nós.
Recordo aquela manhã de sol, de há 50
anos, quando fui celebrar a Eucaristia à marinhagem de um vaso de guerra
francês ancorado no porto do Funchal e aí citei o elevado pensamento do poeta
Alfred de Musset: L’homme est un apprenti
et la douleur est son maître. O “Livro de Job” prova-o, à saciedade: “O
homem é um aprendiz e o sofrimento é o seu mestre”.
E se me ficou gravado o optimismo
transformador de Musset, muito mais me ficaram a voz e a alma de Vinicius de
Morais, em São Paulo, no memorável concerto com Toquinho e Maria Medalha:
Quem
passou pela vida e não sofreu
Pode
ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá
pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem
chorou, pra quem sofreu
Vencidismo, passiva resignação?... Pelo
contrário. Não resisto a reproduzir aqui o excerto do “Fado da Minha Rua”,
escrito e cantado nas serenatas de Machico de outro tempo:
O
nome da minha rua
Tem
o tamanho da gente
Corpo
magro que recua
E
alma que grita: Prá frente!
E já que estamos na esteira da poesia que
faz a metamorfose da prosa dos dias, impossível obliterar a conclusão de
Musset: La joie a pour symbole une plante
brisée: Humide encore de pluie et couverte de fleurs – A alegria tem por
símbolo uma planta ferida (quebrada) : húmida ainda da chuva, mas toda coberta
de flores.
Como Job que reconstruíu-se em
plenitude, a partir de dentro de si mesmo, também cantaremos vitória de olhos
sempre postos na meta! Per angusta ad
augusta: Pelo meio dos apertados desfiladeiros, alcançaremos o cimo da montanha! Com o nosso esforço, com as
nossas restrições, com o nosso confinamento!
07.Fev.21
Martins Júnior
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