quarta-feira, 21 de abril de 2021

O CRAVO QUE MATOU O MEDO – E os medos QUE MATAM os cravos

                                                                           


Com o mesmo entusiasmo com que vivemos a Semana Azul do Mar, a Semana perfumada da Flor, a Semana universal de Tudo, assim também quero respirar a plenos pulmões a Semana Vermelha de Abril. E é esta que me domina de domingo a domingo, tal qual a Semana da Páscoa libertadora, desde Domingo de Ramos ao Domingo da Vida reconquistada.

         Porque se os dias compõem as semanas, as semanas preenchem os meses e estes enfeixam os longos anos de uma vida, tudo somado só tem nome e identidade se em cada parcela constitutiva nascer e reverdecer  a energia vital que lhes deu o ser. Numa palavra, o Abril histórico só existe se ele habitar os momentos do quotidiano, como os cravos revividos nos canteiros da nossa casa.

         Por isso, iniciei anteontem este revérbero aprilino, evocando o enterro do machado da guerra em 1974, quando se estancou a hemorragia a que estavam condenados os jovens portugueses em território africano, ao serviço da ditadura colonialista. Hoje, quero  reaver o estrebuchar de outro monstro que torturava gerações e gerações de homens e mulheres, à sombra da bandeira verde rubra de Portugal: o MEDO !!!

         Reescrevo o monstro com maiúscula, como no título, porque tratava-se de um MEDO estrutural, trepidante vírus genético que serpeava no ventre das mães, grávidas de um Ser Vivo e grávidas desse monstro que se preparava para engolir a criança logo à nascença. Nascíamos todos sob o signo do MEDO. E mais flagrante e deprimente era o rebanho anónimo que nem dava por isso… A mudez perfeita sob o perfeito terror regimental! Medo de falar, de escrever, de sair à rua, de manifestar a sua dor, numa palavra, medo de respirar! A polícia política, disseminada por praças e becos, umas vezes fardada e espingardada, outras cavalgada, outras paramentada nas igrejas e confessionários, quase sempre, porém (a mais requintada e viperina) a polícia nua, sem armas, sem rosto e  sem ruído! Pode afirmar-se, sem nesga de erro, que a “PIDE” foi a implacável “COVID/Salazarista”. Invisível, feroz e fatal!

         Famosos e esplendorosos como os militares de Abril são todos os homens e mulheres, jovens, operários, intelectuais, que expiaram em lúgubres masmorras o crime de esconjurar esse MEDO visceral da nação portuguesa e devolveram ao Povo o direito de falar, de escrever, de manifestar os seus dramas, de proclamar as suas vitórias!

         E agora, volvidos 47 anos, 564 meses, 2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o MEDO???... “Perguntem ao vento que passa”... notícias dessa Alvorada que varreu a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!    

         Verdade seja dita: se hoje posso escrever esta crónica, é sinal que algo mudou. Mas, sem armar ao trágico, bastar tactear pelas ruas e esquinas da cidade, entrar nos domésticos corredores desta terra e verificar que, afinal, os medos têm tomado conta dos cravos, esfrangalhando-os, amputando-lhes pétalas e seiva. Os medos dos mandantes, dos chefes, dos despedimentos, da fome iminente, medos (com minúscula) de falar, de contestar, de gritar a própria dor, enfim, o regresso ao silêncio, à cobardia, ao sado-masoquismo de outros tempos. Até na comunicação social! Jamais esqueci o desabafo de um jornalista (já lá vão três décadas) que às minhas observações nada lisonjeiras sobre uma das suas peças pró-governamentais, responde-me ao ouvido: “O que é quer? Isto é o meu ganha-pão”! E mais não disse.  

         Ironia das ironias – maldição sobre maldição, digo eu – assentou arraiais à nossa porta Sua Insolência a COVID, para consolidar o império dos medos quotidianos, veículo prestimoso de anestesiar os cérebros, a pretexto da saúde, e passar a outros medos de maior gravame, os medos estruturais que tolhem a fala e o ânimo das gentes.

         Tempos de carestia, tempos de seca severa e austera!

         É a hora de não deixar que os medos matem os cravos, a hora de cultivar o CRAVO que mata o MEDO!

 

         21.Abr.21

         Martins Júnior

          

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