Com
o mesmo entusiasmo com que vivemos a Semana Azul do Mar, a Semana perfumada da
Flor, a Semana universal de Tudo, assim também quero respirar a plenos pulmões
a Semana Vermelha de Abril. E é esta que me domina de domingo a domingo, tal
qual a Semana da Páscoa libertadora, desde Domingo de Ramos ao Domingo da Vida
reconquistada.
Porque se os dias compõem as semanas, as
semanas preenchem os meses e estes enfeixam os longos anos de uma vida, tudo
somado só tem nome e identidade se em cada parcela constitutiva nascer e
reverdecer a energia vital que lhes deu
o ser. Numa palavra, o Abril histórico só existe se ele habitar os momentos do
quotidiano, como os cravos revividos nos canteiros da nossa casa.
Por isso, iniciei anteontem este
revérbero aprilino, evocando o enterro do machado da guerra em 1974, quando se
estancou a hemorragia a que estavam condenados os jovens portugueses em território
africano, ao serviço da ditadura colonialista. Hoje, quero reaver o estrebuchar de outro monstro que
torturava gerações e gerações de homens e mulheres, à sombra da bandeira verde
rubra de Portugal: o MEDO !!!
Reescrevo o monstro com maiúscula, como
no título, porque tratava-se de um MEDO estrutural, trepidante vírus genético
que serpeava no ventre das mães, grávidas de um Ser Vivo e grávidas desse
monstro que se preparava para engolir a criança logo à nascença. Nascíamos
todos sob o signo do MEDO. E mais flagrante e deprimente era o rebanho anónimo
que nem dava por isso… A mudez perfeita sob o perfeito terror regimental! Medo
de falar, de escrever, de sair à rua, de manifestar a sua dor, numa palavra,
medo de respirar! A polícia política, disseminada por praças e becos, umas
vezes fardada e espingardada, outras cavalgada, outras paramentada nas igrejas
e confessionários, quase sempre, porém (a mais requintada e viperina) a polícia
nua, sem armas, sem rosto e sem ruído!
Pode afirmar-se, sem nesga de erro, que a “PIDE” foi a implacável “COVID/Salazarista”.
Invisível, feroz e fatal!
Famosos e esplendorosos como os
militares de Abril são todos os homens e mulheres, jovens, operários,
intelectuais, que expiaram em lúgubres masmorras o crime de esconjurar esse
MEDO visceral da nação portuguesa e devolveram ao Povo o direito de falar, de escrever,
de manifestar os seus dramas, de proclamar as suas vitórias!
E agora, volvidos 47 anos, 564 meses,
2.256 semanas, 15.792 dias (!!!) que fizemos nós do CRAVO que matou o
MEDO???... “Perguntem ao vento que passa”... notícias dessa Alvorada que varreu
a noite de 48 anos em que se perdeu Portugal!
Verdade seja dita: se hoje posso
escrever esta crónica, é sinal que algo mudou. Mas, sem armar ao trágico,
bastar tactear pelas ruas e esquinas da cidade, entrar nos domésticos corredores
desta terra e verificar que, afinal, os medos têm tomado conta dos cravos,
esfrangalhando-os, amputando-lhes pétalas e seiva. Os medos dos mandantes, dos
chefes, dos despedimentos, da fome iminente, medos (com minúscula) de falar, de
contestar, de gritar a própria dor, enfim, o regresso ao silêncio, à cobardia,
ao sado-masoquismo de outros tempos. Até na comunicação social! Jamais esqueci
o desabafo de um jornalista (já lá vão três décadas) que às minhas observações
nada lisonjeiras sobre uma das suas peças pró-governamentais, responde-me ao ouvido:
“O que é quer? Isto é o meu ganha-pão”! E mais não disse.
Ironia das ironias – maldição sobre
maldição, digo eu – assentou arraiais à nossa porta Sua Insolência a COVID,
para consolidar o império dos medos quotidianos, veículo prestimoso de
anestesiar os cérebros, a pretexto da saúde, e passar a outros medos de maior
gravame, os medos estruturais que tolhem a fala e o ânimo das gentes.
Tempos de carestia, tempos de seca
severa e austera!
É a hora de não deixar que os medos
matem os cravos, a hora de cultivar o CRAVO que mata o MEDO!
21.Abr.21
Martins
Júnior
Soberbo!
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