Porque
é o DIA MUNDIAL DO LIVRO, tudo me atira
às nuvens para daí tecer as mais altissonantes loas em louvor do oceano
cultural que nos trazem as páginas escritas, soletradas, desfolhadas. Mas
estamos também na Semana dos Cravos – os cravos que nascem na terra e a ela nos
prendem. E logo senti que livros e cravos, folhas e pétalas são água da mesma
nascente, são húmus do mesmo chão que todos habitamos.
Mas
será que os Livros nasceram na mesma manhã dos Cravos?
Eis
a questão que se, por um lado, nos inspira poemas lunares, por outro obriga-nos
a descer ao terro da vida – ou das vidas: a de antes e a de depois do “25 de
Abril de 1974”.
E
quando me preparava para sinalizar a diferença abissal entre “o Antes e o Depois”, eis que um
acontecimento, para mim fortuito, veio buscar-me de novo para a beleza poética
e comovedora de uma exposição em pleno centro da cidade de Machico. Foi esse vasto
friso que enchia de cor o chamado “Largo da Vila”, o toque de mestre inspirador
do poema que queria dedicar à nova atmosfera que respiram hoje os portugueses,
a começar pelas crianças – o ar puro e rico da Cultura, não obstante os ventos
áridos desta pandemia.
As
crianças das Escolas Primárias do concelho, acompanhadas pelas suas
professoras, trouxeram ao espectáculo público uma Exposição eloquente,
subordinada ao título: “Como vejo o “25 de Abril”?.
Podia
esta pergunta ser endereçada a cada um de nós, adultos. Que resposta a
nossa?...
Da
minha parte, faltar-me-iam as palavras para descrever o que meus olhos viam
naqueles painéis abertos. Porque? E era por aqui que ia começar hoje esta
crónica.
Sinteticamente:
Nós, os do “Antes”, bem nos lembramos da escassez de instalações escolares, das
dificuldades extremas em frequentar a escola e da total impossibilidade que
condenava o filho de um trabalhador do campo ou do mar a ficar sem acesso ao
ensino superior. Quem podia entrar numa Universidade? Só os afortunados do
poder e do dinheiro, os filhos dos senhorios, dos ‘proprietários’, dos
capitalistas e de alguns comerciantes. O regime vedava os olhos ao Povo, retirando-lhe
os livros e as hipóteses de lê-los. Consideravam os donos do regime um perigo público aprender a ler.
Por isso, os mais velhos, que não puderam ter escola diziam: “O caderno e a
caneta que meus pais me deram foi uma corda e uma foice para ir à serra apanhar
lenha ou roçar erva comida para o gado”.
Assim
se deseducou um povo a andar de cerviz curvada ao chão, como escravos do século
XX! Os poderes públicos e a própria religião tiravam opulentos dividendos do
obscurantismo popular. Mísera sorte, a dos nossos antepassados!
Com
“Abril/74”, porém, varreram-se as trevas da ignorância e do analfabetismo.
Todos tiveram caminha aberto para a sua escola, para a sua Faculdade, enfim,
para a Cultura. Merece um hino triunfal quando vemos o filho de um operário
fabril, agricultor ou pescador, franquear as portas da Universidade e um dia
ocupar a cátedra de Mestre, de Juiz ou Cirurgião.
No Dia Mundial do Livro, vi diante de
mim os Livros abrindo em pétalas de beleza infantil, vi também os Cravos
vermelhos abertos como as páginas de uma imensa enciclopédia – a Enciclopédia
da Vida.
Parabéns
às docentes de todas essas crianças, artistas do “25 de Abril”. E que magnífica
lição ali nos dão com a sua exposição!... Enquanto muitos tentam abafar e secar
os Cravos da verdadeira Liberdade, os alunos do Ensino Básico do concelho de
Machico ergueram bem alto a bandeira vitoriosa da Revolução dos Cravos! Viva!
23.Abr.21
Martins Júnior
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