Entrámos
na Semana dos Cravos, do ano 47. Aqui estou eu no meio da multidão incontável
que em todo o mundo não permite que, passado quase meio século, algum cravo murche
e caia ao chão. Este será o meu posto de sentinela durante toda a semana.
Viver
Abril – mais do que evocá-lo – é rebobinar o filme da vida e reentrar no porão
do velho “Niassa” como quem estagia no mar a entrada na imensa, bela e
tenebrosa selva africana, deixando de fora toda a esperança de lá sair. Assim
subiram à amurada do navio, em 1967, cerca de dois mil jovens, rumo a Cabo Delgado,
com desembarque em Mocímboa da Praia.
Ai,
misteriosa e sedutora Mocímboa! Ai, doce Palma, dos coqueiros debruçados sobre
a areia dourada daquela praia das marés vivas! Ai, picadas que pisámos, onde
numa manhã de Agosto, diante dos meus olhos ficaram onze amigos meus, vítimas inocentes de
um regime tirano sediado em São Bento!
Não
fora a Alvorada dos Cravos, em 1974, ainda hoje estaria alguém no meu lugar no
cemitério de Mocímboa da Praia enterrando jovens condenados a “carne-pra-canhão”!...
A gravura no topo desta página preferia
nunca tê-la nem vivê-la. Por isso, ao mesmo tempo que exalto a Vitória da Vida,
renego e abomino a traição que fizeram à juventude portuguesa durante a guerra
colonial, entre 1961-1974. Não repitam mais a medonha hipocrisia de cobrirem a
campa desses jovens com o sarcástico medalhão de ‘Heróis da Pátria’. De que
Pátria estão a gargantear esses que nunca puseram os pés em campo de guerra? Se
Pátria é a Nação, o Povo, os pais, as mães, os irmãos, as esposas e as noivas de Portugal que ficaram
em casa chorando a partida dos seus para as matas africanas, essa Pátria nunca
os mandou para a guerra, nunca os obrigou às atrocidades que a tropa lá
perpetrou, idênticas às dos actuais jiadhistas em Cabo Delgado.
Foi
outra a pátria madrasta que manietou braços e pernas e coração da juventude e
os atirou para o porão do navio-fantasma, sorvedouro de vidas futuras. Foi a
pátria-antropófaga dos imperialistas exploradores das riquezas africanas, em
cujo solo e subsolo moirejava gente sã, os moçambicanos, gente martirizada,
nativos exilados, fugitivos dentro da sua própria casa! A pátria, (que nunca
foi mátria nossa!) a dos diamantes, do ouro, do marfim, do açúcar, do chá, das
bebidas capitosas, com que se banqueteavam os colonialistas à mesa lauta, nas
capitais dos distritos ou na metrópole lisboeta, enquanto o zé-soldado comia a
cadavérica ração de combate no meio do capim.
E não me falem em heróis africanos,
condecorados com a cruz-de-guerra, mercenários bem pagos, ao serviço do
exército português. Conheci um deles, nosso guia por entre a floresta densa,
conhecedor dos paióis da ‘Frelimo’. Verdade que ele era o escudo da nossa
tropa, mas ao vê-lo dar táticas de guerrilha aos nossos oficiais e soldados,
olhava-o com desdém e dizia no meu íntimo: “Traidor desprezível, traíste a tua
classe, os teus irmãos, o teu povo maconde”!
Cabo
Delgado, Cabo das Tormentas – repetidos, multiplicados durante catorze longos
anos de combate inútil, destruidor da alegria, do pão, das finanças e do melhor
que tinha o país, a sua juventude!
Cabo
da Boa Esperança, iniciado em 1974, e que a todos nós cabe garantir, consolidar,
ampliar neste mar de batalha, sugestivo e promissor, que é este caminhar com
firmeza e resiliência em cada dia que nasce!
Com
os 47 Cravos de Abril ergamos a alameda esperançosa do futuro, mesmo em tempo
de pandemia hostil.
19.Abr.21
Martins Júnior
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