segunda-feira, 19 de abril de 2021

CABO’s DELGADO… CABO’s DE TORMENTAS… CABO’s DE ESPERANÇA !!!

                                                                        



Entrámos na Semana dos Cravos, do ano 47. Aqui estou eu no meio da multidão incontável que em todo o mundo não permite que, passado quase meio século, algum cravo murche e caia ao chão. Este será o meu posto de sentinela durante toda a semana.

Viver Abril – mais do que evocá-lo – é rebobinar o filme da vida e reentrar no porão do velho “Niassa” como quem estagia no mar a entrada na imensa, bela e tenebrosa selva africana, deixando de fora toda a esperança de lá sair. Assim subiram à amurada do navio, em 1967,  cerca de dois mil jovens, rumo a Cabo Delgado, com desembarque em Mocímboa da Praia.

Ai, misteriosa e sedutora Mocímboa! Ai, doce Palma, dos coqueiros debruçados sobre a areia dourada daquela praia das marés vivas! Ai, picadas que pisámos, onde numa manhã de Agosto, diante dos meus olhos  ficaram onze amigos meus, vítimas inocentes de um regime tirano sediado em São Bento!

Não fora a Alvorada dos Cravos, em 1974, ainda hoje estaria alguém no meu lugar no cemitério de Mocímboa da Praia enterrando jovens condenados a “carne-pra-canhão”!...  A gravura no topo desta página preferia nunca tê-la nem vivê-la. Por isso, ao mesmo tempo que exalto a Vitória da Vida, renego e abomino a traição que fizeram à juventude portuguesa durante a guerra colonial, entre 1961-1974. Não repitam mais a medonha hipocrisia de cobrirem a campa desses jovens com o sarcástico medalhão de ‘Heróis da Pátria’. De que Pátria estão a gargantear esses que nunca puseram os pés em campo de guerra? Se Pátria é a Nação, o Povo, os pais, as mães, os irmãos,  as esposas e as noivas de Portugal que ficaram em casa chorando a partida dos seus para as matas africanas, essa Pátria nunca os mandou para a guerra, nunca os obrigou às atrocidades que a tropa lá perpetrou, idênticas às dos actuais jiadhistas em Cabo Delgado.

Foi outra a pátria madrasta que manietou braços e pernas e coração da juventude e os atirou para o porão do navio-fantasma, sorvedouro de vidas futuras. Foi a pátria-antropófaga dos imperialistas exploradores das riquezas africanas, em cujo solo e subsolo moirejava gente sã, os moçambicanos, gente martirizada, nativos exilados, fugitivos dentro da sua própria casa! A pátria, (que nunca foi mátria nossa!) a dos diamantes, do ouro, do marfim, do açúcar, do chá, das bebidas capitosas, com que se banqueteavam os colonialistas à mesa lauta, nas capitais dos distritos ou na metrópole lisboeta, enquanto o zé-soldado comia a cadavérica ração de combate no meio do capim.

 E não me falem em heróis africanos, condecorados com a cruz-de-guerra, mercenários bem pagos, ao serviço do exército português. Conheci um deles, nosso guia por entre a floresta densa, conhecedor dos paióis da ‘Frelimo’. Verdade que ele era o escudo da nossa tropa, mas ao vê-lo dar táticas de guerrilha aos nossos oficiais e soldados, olhava-o com desdém e dizia no meu íntimo: “Traidor desprezível, traíste a tua classe, os teus irmãos, o teu povo maconde”!

Cabo Delgado, Cabo das Tormentas – repetidos, multiplicados durante catorze longos anos de combate inútil, destruidor da alegria, do pão, das finanças e do melhor que tinha o país, a sua juventude!

Cabo da Boa Esperança, iniciado em 1974, e que a todos nós cabe garantir, consolidar, ampliar neste mar de batalha, sugestivo e promissor, que é este caminhar com firmeza e resiliência em cada dia que nasce!

Com os 47 Cravos de Abril ergamos a alameda esperançosa do futuro, mesmo em tempo de pandemia hostil.

19.Abr.21

Martins Júnior

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