O
título, em linguagem-cripto, toma a parte pelo todo ou o instrumento pelo
utente, a figura de estilo chamada sinédoque/metonímia. Propositadamente, para
não ferir os olhos do espectador/leitor com este quarteto tão bizarro: um
Bispo, um Padre, um Fotógrafo e um Polícia. O “estádio crismal” designa o lugar
do crisma, em contraponto com o estádio desportivo do Moreirense.
Pois,
esta crónica vem mesmo a propósito do sucedido no referido recinto, após o jogo
Moreirense vs Porto, precisamente aí,
onde se consumou o escandaloso ataque de um tal Pedro Pinho ao operador de
imagem da TVi. Acompanhei os comentários subsequentes, entre os quais, o de um
ouvinte da ‘Antena 1’ – ao entrar no
futebol, parece que as pessoas ficam em
estado de hipnose – e as adequadas extrapolações dos especialistas José
Manuel Meirim e Manuel Queirós: casos
destes passam-se noutros cenários e noutras circunstâncias.
O
“Meu Caso” (diria José Régio) ou aquele que vou contar passou-se em 1977, num
templo histórico e espaçoso, repleto de
adolescentes e adultos preparados para uma festa-espectáculo, denominado
sacramento do crisma.
Entram
em cena os quatro personagens supra-citados: um Bispo (a mitra), um Padre (a
sotaina), um repórter foto-jornalista (a máquina fotográfica) e um Polícia (o
“casse-tête”). A multidão (espectadores) inicialmente ficou no templo, mas
depois também envolveu-se na trama. O epicentro da acção é a sacristia
do referido templo. E foi assim:
O
Padre, convidado para ser padrinho de um dos crismandos, foi impedido de
assumir a função, apesar de estar munido do título comprovativo, passado pela
entidade eclesiástica competente. Não te
admito como padrinho. E não começo a cerimónia sem saíres da igreja, tens 5
minutos para abandonar a igreja – sentenciou o Bispo. E organizou, de
imediato, um mini-tribunal popular, composto por dez homens que, para surpresa
geral, não subscreveram a sentença. O Bispo, vencido, aproxima-se do Padre,
aperta~lhe o pescoço com os dois punhos. Neste preciso momento entra o repórter
fotográfico, em serviço de um jornal diário, e bate a chapa à agressão tentada.
Acto contínuo, o Bispo ‘liberta’ o Padre e atira-se ao Foto-jornalista,
puxa-lhe a máquina em repetidos soquetões e com tal violência, cujo resultado
foi este: o Bispo fica com a máquina e o Fotógrafo com o estojo pendurado ao
pescoço.
A
cena continua. O Fotógrafo solta-se em altos brados: Quero a minha máquina, estou em serviço do diário, aqui está a minha
credencial, quero a máquina, é o meu ganha-pão. Parte da população,
impressionada, com o ruído dentro da sacristia, começa a invadir o recinto. Mas
o Bispo, imperturbável, respondia pausadamente ao Fotógrafo: Não se preocupe, vou devolver-lhe a sua
máquina, mas só depois de tirar o rolo. E se bem o disse, melhor o fez:
extraiu o rolo. E aqui é que entra o Polícia, comandante do posto concelhio da
PSP. Diz-lhe o Bispo: Senhor Sub-Chefe,
pegue-me este rolo, fica à sua guarda.
O
caso tem mais desenvolvimentos e contornos muito expressivos, até ao desfecho
final, mas hoje ficamos assim. Vamos ao essencial, ou seja, o motivo desta
crónica: dar razão aos comentários dos especialistas desportivos
retro-mencionados quando referiram que não é só no calor do futebol que surgem
idênticas reações comportamentais.
Analisemos
sucintamente as semelhanças: um agressor, o Bispo (agredir não significa apenas
e necessariamente esmurrar ou fazer sangrar); dois agredidos, o Padre e o
operador de imagem, o Foto-jornalista; um instrumento de trabalho, a máquina
fotográfica e (cereja em cima do bolo) um agente da ordem, o Polícia que, tal
como o GNR, viu tudo e não interveio em nada.
Mas
de onde teria surgido o Polícia?... Desde o princípio de tudo, lá estava ele,
discreto, quase imperceptível, na periferia dos intervenientes. O público logo
concluiu: Estava tudo combinado, ele
estava ali ao serviço do Bispo. E tirou as mesmas ilações, há 44 anos,
iguais ao jurista que ontem comentou na TV o incidente ‘moreirense’: A Justiça (neste caso, o agente da ordem
pública) é forte com os fracos e fraca
com os fortes.
Desconhecemos,
por enquanto, o desenrolar dos eventuais processos criminais em curso. Quanto
ao sucedido em 1977, sabe-se que o Foto-jornalista interpôs processo em tribunal.
Entretanto o arguido Bispo morre, ficando extinta a causa. Esclarece-se, ainda,
que os quatro intervenientes têm nome, sendo, porém, (e por assumido pudor)
desnecessária a sua identificação, excepto a do cronista que, para memória
presente e futura, é o mesmo que subscreve estas linhas.
Finalmente, não pode passar desapercebida a
diferença abissal em relação ao “lugar do crime”: de um lado, o profano recinto
desportivo e, de outro, o sacro templo do crisma. Por onde se prova que, muito
diferentes que nos queiramos parecer, somos todos iguais quando a hipnose do poder e a neurose da arrogância tomam conta do nosso Ser.
Quando
mudaremos o Mundo?!
29.Abr.21
Martins Júnior
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