Contei
os milhares de cravos-actos – são 17.167
– que cada português terá plantado à sua porta desde 1974, se em cada dia tiver
realizado um acto correspondente ao espírito do “25 de Abril”. Porque é só isso
que importa: actualizar=pôr em accão, sob pena de ficar esse memorável
acontecimento confinado às poltronas dos parlamentos ou às ‘promenades’ vistosas
de uma tarde de domingo, 25.
.E
se, para uns, murcharam os cravos passados, para outros há sempre ‘alguém que resiste’ algures e há sempre quem
semeia cravos ao vento que passa e que se reproduzem depois nos canteiros onde
vegetam pomos de depressão social. Muitos heróis que desconhecemos, que nem
chegam à ribalta da publicidade, mas que mantêm na pele e na alma a
transfiguração que Abril trouxe a Portugal! Outros há que nos chegam através de
protocolares actos oficiais que, desdizendo em parte a raiz genética do “25 de
Abril” do Povo, no entanto servem para trazer ao mundo distraído valores e
mensagens libertadoras.
A
Madeira acaba de vê-los, esses bandeirantes da liberdade e da estética global,
em duas personalidades cimeiras do pódio regional, nacional e internacional. Vêm
de longe e por onde têm passado ficam as marcas indeléveis do seu talento,
tocado pela magia da descoberta, da utopia sem a qual o mundo não sonha nem
avança.
Lourdes
Castro, um nome que se pronuncia como quem apela à divindade criadora da
beleza. Desde 1955, a sua primeira exposição no Funchal, tem navegado pelos
arcanos da arte, conquistado vários prémios, com exposições em galerias e
museus, tais como Londres, Paris, Havana, Belgrado, Varsóvia, Gulbenkian,
Serralves. O toque definidor da sua mão situa-se no reino das sombras, no
mistério escondido que estas condensam, a partir do comum quotidiano, metamorfoseando
os passos e os gestos que o olhar baço do vulgo não consegue decifrar. Alexandre
Pomar define a sua arte como a “visão em acto - apenas ver sem mácula e sem
medo”. É assim que a revejo em “O Guardador de Rebanhos” de Alberto Caeiro E é
assim que a pressinto em Sebastião da Gama: “O Poeta em tudo se demora”.
Assim
Lourdes Castro, visionária das sombras no seu recanto de cenobita solitário. Quanto
à comenda que lhe foi entregue, faço minhas as palavras do eminente Professor Manuel Morais, no facebook. Quem
lha outorgou não conhece de certeza a altitude soberana da arte de Lourdes Castro.
Um dia, hão-de os poderes públicos emendar a mão e colocar no devido trono os 90
anos, férteis e mágicos, desta nobre madeirense,
cidadão do mundo.
Trago
no mesmo braçado de cravos vermelhos Alguém que tem semeado (por vezes incompreendido
até na sua própria terra) notícias redivivas de “Abril” - o escritor polígrafo
madeirense, Viale Moutinho, a quem acaba de ser atribuído o Prémio “D. Dinis”
pelo livro “Cimentos da Noite“. Dos muitos cultores da escrita no nosso país,
nenhum se aproxima da extensa versatilidade literária de Viale Moutinho,
conjugando géneros e estilos de tão larga onda criativa, que vão desde o conto,
o jornalismo interveniente, o ensaio, a historiografia, os rimances e lendas tradicionais,
sobretudo da Madeira, até aos cumes da poesia e do romance. Quem fizer a
história da literatura madeirense terá de reservar uma volumosa estante para assinalar
a produção literária do incontornável, incansável trabalhador intelectual Viale
Moutinho.
Felicito-o
efusivamente pelo último sucesso. Há muito que não nos vemos e ainda hoje me
pergunto por que esta ilha não aproveitou o filão dinamizador deste ilustre
madeirense, enquanto cá residiu. A notícia do novo livro e o respectivo prémio assumiram, para mim, a dimensão e o espírito
de um Grande Cravo de Abril.
É o que
nos aguenta – e aguenta o ânimo nascido há 47 anos – ou seja, os actos e as
pessoas que corporizam aqui e agora o feito heróico de há quase meio século!
Poderia juntar aqui tantos outros passos na estrada, gente anónima, velhos e
novos, que não deixam apagar a chama de um passado recente. Apontei estes dois
exemplares, como protótipos de uma geração que promete continuar a marcha
decidida, mais a mais numa altura em que os cadavéricos fantasmas de novos
fascismos arquejam por abrir as fauces.
A
terminar, melhor sopro de Abril não poderíamos ter do que a vitória judicial do
professor Joaquim de Sousa, o intrépido docente da Escola do Curral das Freiras,
saneado por um elenco de repressivos herdeiros do antigo regime. Ergamos a
vitória do Professor-Lutador como o Cravo mais fresco da “Alvorada de Abril”
!!!
27.Abr.21
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário