É
o Largo mais largo da nossa história insular, ali onde “a terra acaba e o mar
começa”. Ali, onde pisaram chão primeiro os navegadores ‘achadores’ da Ilha. Ali,
onde o Senhor Infante implantou a sucursal da ‘Ordem de Cristo”. Ali, onde as
Misericórdias” da Rainha Santa estenderam além-mar as generosas mãos. E se, por
cada ano, se medissem os quilómetros de história, o Largo guardaria uma
biblioteca de seiscentos quilómetros de
extensão.
Sala-Nobre
da Primeira Capitania da Madeira, fundada em 8 de Maio de 1440, o Largo foi
também testemunha e vítima das convulsões anárquicas da Natura, tanto as que
cavalgavam do mar para a terra como as que torrencialmente investiam da
montanha para a baía quando adormecida. Desde 1803, porém, chamaram-lhe “Largo
dos Milagres”, recordando a tenebrosa aluvião que arrastou para o mar revolto
pessoas e bens, capela e imagens, posteriormente recuperadas - um acontecimento
trágico ocorrido em Machico e no Funchal e que milhares de velas e archotes
evocam na noite de 8 Outubro, num ambiente de compunção e de crente dramatismo.
Hoje e de há mais de oito décadas – tantas
quantos o conheço – o Largo é o centro de convívio dos homens do mar,
pescadores no defeso da faina, também ponte de passagem obrigatória sobre o
“rio” que separa as margens da cidade – “ribeira-rio” onde todo o ano corre a
água. Estância de turismo acolhedor, o Largo no sítio da Banda d’Além, servido
por típicos estabelecimentos abertos ao apetite e à sede de residentes e
turistas, bafejado
pela
saudável clorofila que os troncos centenários exalam e em cuja frondosa copa
ouvia eu, na infância, o chilrear dos vistosos pintassilgos, hoje
desaparecidos.
Este é o palco e estas palavras são a cortina que abre a ribalta para um Acto Único do teatro existencial de uma população de seis séculos de vivências. Consumado neste domingo pela mão de artistas autóctones, o que atesta a autenticidade telúrica do Acto, trata-se de uma galeria de quinze figuras representativas dos lavores e tradições das terras de Tristão Vaz.
Para
lá do apreço intrínseco da obra, merece inteira ovação o local predestinado
para o efeito. O Largo é, sem sombra de dúvida, o meio ecológico e ecoestético
para a sua implantação. Foi ali que Machico nasceu, cresceu e vive em evolutiva
ascensão, dando cada geração o seu contributo para a construção da sua mais
genuína identidade. Refira-se que o mesmo se pode dizer, não só de Machico, mas
de toda a Madeira, pois “Foi Aqui que tudo começou”.
Sublinhe-se, prima facie, a feliz originalidade de situar as figuras em tamanho natural e a partir do solo empedrado, de modo que quem de ali se aproximar ver-se-á como que reflectido no azulejo representativo. Com efeito, a galeria é um desfile de personagens que espelham os diversos extractos sociais e profissionais da nossa história passada, presente e (pode seguramente afirmar-se) da história futura. A começar pelos barcos de pesca, o pescador, a mulher do pescador, o vendedor ambulante, as joeiras de outono, o traje e o folclore locais, a mulher de bilha junto ao fontenário público, o fato domingueiro, a vida rural e as crianças em redor, tudo ali está gravado para a posteridade.
Parabéns
aos artífices deste simpático painel de azulejaria, a juntar a outros grupos
escultóricos mandados erigir pela edilidade machiquense. É a quinta-essência do
serviço público: proporcionar aos moradores e visitantes fatias abertas do pão
da cultura, disseminada e transmitida de dentro dos próprios muros da cidade.
Assim
se completa a mensagem do Largo dos Milagres. Se uma vez por ano a fé dos
crentes espiritualiza a vetusta devoção, por outro lado, a galeria azulejada diante
dos nossos olhos humaniza as pedras da calçada e todos os dias enche de arte e
história os que se sentam nos bancos do Largo para degustar o sabor de uma
bebida e o ar puro das árvores seculares.
Excelente
forma de iniciar as comemorações do Dia do Concelho no próximo fim de semana.
Calorosos e merecidos aplausos!
03.Mai.21
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário