segunda-feira, 3 de maio de 2021

O MILAGRE DA ARTE QUE HUMANIZA OS MILAGRES DO LARGO

                                                                        


É o Largo mais largo da nossa história insular, ali onde “a terra acaba e o mar começa”. Ali, onde pisaram chão primeiro os navegadores ‘achadores’ da Ilha. Ali, onde o Senhor Infante implantou a sucursal da ‘Ordem de Cristo”. Ali, onde as Misericórdias” da Rainha Santa estenderam além-mar as generosas mãos. E se, por cada ano, se medissem os quilómetros de história, o Largo guardaria uma biblioteca de  seiscentos quilómetros de extensão.

Sala-Nobre da Primeira Capitania da Madeira, fundada em 8 de Maio de 1440, o Largo foi também testemunha e vítima das convulsões anárquicas da Natura, tanto as que cavalgavam do mar para a terra como as que torrencialmente investiam da montanha para a baía quando adormecida. Desde 1803, porém, chamaram-lhe “Largo dos Milagres”, recordando a tenebrosa aluvião que arrastou para o mar revolto pessoas e bens, capela e imagens, posteriormente recuperadas - um acontecimento trágico ocorrido em Machico e no Funchal e que milhares de velas e archotes evocam na noite de 8 Outubro, num ambiente de compunção e de crente dramatismo.

 Hoje e de há mais de oito décadas – tantas quantos o conheço – o Largo é o centro de convívio dos homens do mar, pescadores no defeso da faina, também ponte de passagem obrigatória sobre o “rio” que separa as margens da cidade – “ribeira-rio” onde todo o ano corre a água. Estância de turismo acolhedor, o Largo no sítio da Banda d’Além, servido por típicos estabelecimentos abertos ao apetite e à sede de residentes e turistas, bafejado

pela saudável clorofila que os troncos centenários exalam e em cuja frondosa copa ouvia eu, na infância, o chilrear dos vistosos pintassilgos, hoje desaparecidos.        

Este é o palco e estas palavras são a cortina que abre a ribalta para um Acto Único do teatro existencial de uma população de seis séculos de vivências. Consumado neste domingo pela mão de artistas autóctones, o que atesta a autenticidade telúrica do Acto, trata-se de uma galeria de quinze figuras representativas dos lavores e tradições das terras de Tristão Vaz.                    


Para lá do apreço intrínseco da obra, merece inteira ovação o local predestinado para o efeito. O Largo é, sem sombra de dúvida, o meio ecológico e ecoestético para a sua implantação. Foi ali que Machico nasceu, cresceu e vive em evolutiva ascensão, dando cada geração o seu contributo para a construção da sua mais genuína identidade. Refira-se que o mesmo se pode dizer, não só de Machico, mas de toda a Madeira, pois “Foi Aqui que tudo começou”.

Sublinhe-se, prima facie, a feliz originalidade de situar as figuras em tamanho natural e a partir do solo empedrado, de modo que quem de ali se aproximar ver-se-á como que reflectido no azulejo representativo. Com efeito, a galeria é um desfile de personagens que espelham os diversos extractos sociais e profissionais da nossa história passada, presente e (pode seguramente afirmar-se) da história futura. A começar pelos barcos de pesca, o pescador, a mulher do pescador, o vendedor ambulante, as joeiras de outono, o traje e o folclore locais, a mulher de bilha junto ao fontenário público, o fato domingueiro, a vida rural e as crianças em redor, tudo ali está gravado para a posteridade.                                      


Parabéns aos artífices deste simpático painel de azulejaria, a juntar a outros grupos escultóricos mandados erigir pela edilidade machiquense. É a quinta-essência do serviço público: proporcionar aos moradores e visitantes fatias abertas do pão da cultura, disseminada e transmitida de dentro dos próprios muros da cidade.

Assim se completa a mensagem do Largo dos Milagres. Se uma vez por ano a fé dos crentes espiritualiza a vetusta devoção, por outro lado, a galeria azulejada diante dos nossos olhos humaniza as pedras da calçada e todos os dias enche de arte e história os que se sentam nos bancos do Largo para degustar o sabor de uma bebida e o ar puro das árvores seculares.

Excelente forma de iniciar as comemorações do Dia do Concelho no próximo fim de semana. Calorosos e merecidos aplausos!

 

03.Mai.21

Martins Júnior   

  

 

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