Se
toda a semana é mais um troço de viagem, seja ela caminhada no deserto ou
escalada de montanha, chegamos ao fim e
sentimos que Sábado e Domingo são aquele oásis de conforto e auto-descoberta da
condição existencial em que dia-a-dia nos movemos. A água fresca e a sombra das
palmeiras acolhedoras – e, por vezes, agitadas – vamos encontra-las nas páginas
do LIVRO, por excelência.
Para este fim-de-semana, temos a
crónica (há 2700 anos!) do ramerrão comum a todos os regimes e a todas as
nações, coincidentemente com a trepidação que agita os dias de hoje. Trata-se da
dialéctica inerente a todos os movimentos: políticos, económicos, culturais e
sociais. Muito cirurgicamente no que concerne aos líderes e às crises de
liderança. Momentos há tão nevrálgicos e decisivos para a vida de um país ou de
uma religião, cuja solução passa inevitavelmente pela substituição dos seus
titulares. No texto de Jeremias Profeta, eles são designados por pastores.
Vejamos a frontalidade de Iahveh e a dureza
da terapêutica aplicada:
“Ai
dos pastores que perdem e dispersam as ovelhas do meu rebanho! Sou Eu mesmo que lhes vou pedir contas. Eu
reunirei o resto das minhas ovelhas dispersas e fá-las-ei voltar às suas
pastagens para que cresçam e se multipliquem. Dar-lhes-ei pastores que as
apascentem e não mais terão medo nem sobressaltos nem se perderá nenhuma delas.
Farei surgir um rei verdadeiro que governará o país com sabedoria e exercerá o
poder no direito e na justiça”. (Jeremias, 23, 1-6).
Este
foi o tempo de Josias e seus descendentes no trono, os quais levaram Israel à
ruína, ao ponto de serem os exércitos desbaratados e o povo feito escravo do
rei Nabucodonosor, da Babilónia, durante 70 anos, (século VII a/C).
É a realidade de todos os tempos: os
maus administradores da grei devem ser exonerados, escorraçados do lugar que
ocupam e substituídos por outros que “governem no pleno exercício do direito e
da justiça”. Não há outro antídoto nem vacina mais eficaz Nem há volta a dar. É o LIVRO que nos fornece a receita.
Mas
há uma abissal distância de métodos e de acção. No Velho Testament6o –
monarquia teocrática – fez-se crer ao povo que Deus era quem punha e dispunha
dos impérios e nações, era Deus-Iahveh quem comandava os exércitos, enfim, era
o mesmo que nomeava e destituía os monarcas, os líderes, tanto na vertente
religiosa como na acção política.
Hoje, é o povo que tem nas suas mãos o
poder soberano. Assim deveria ser, sobretudo nos dois âmbitos já citados: na própria
hierarquização dos poderes decisórios, tanto nas questões de índole
confessional e administrativa, como nos requisitos para a boa condução da “pólis”.
Quanto à primeira alínea – os pastores
- temos visto os esforços do Papa Francisco com vista à participação de leigos
e clérigos na reforma da Igreja, não obstante a destemperada e obsoleta oposição
dos “corvos do Vaticano”, os cardeais. A chave do sucesso nesta área consiste na
assunção, por parte dos cristãos, do seu papel interventivo na orgânica da Igreja,
segundo a linha teológica do dominicano Yves Congar e do grande Hans Kung.
Relativamente à segunda - os chefes, os
líderes, os governantes – vem este texto bíblico na hora exacta. A
transformação da sociedade está nas mãos dos “sócios”, isto é, dos
constituintes da soberania e dos seus representantes. Já vem de longe o
veredicto que “um fraco rei faz fraca a
forte gente”.
O
Profeta Jeremias, enquanto interpretava a presença interventiva de Iahveh
no rumo da sociedade israelita, não deixava de verberar com notória
agressividade os monarcas, os sumos sacerdotes e os juízes que desviavam os seus concidadãos
do objectivo fulcral da governação, o “bem-estar global da população”.
Para
bom intérprete, a lição hodierna do LIVRO abre-nos um outro Livro mais profundo
e cortante – o da consciência cívica colectiva – que nos mobiliza até às raízes
de nós próprios. E se a ingenuidade mítica da civilização hebraica endossava a
Iahveh o desempenho que aos mortais competia, agora, três milénios volvidos, é
tempo de entendermos, à vista desarmada, que o Justo Juiz da Humanidade deposita
em nós o poder de mudar (quando necessário) os maus-pastores, os maus-líderes,
os maus-condutores, até que as populações vivam sem medo nem sobressaltos” e se
instaure à nossa volta o primado do “direito e da justiça”.
17.Jul.21
Martins Júnior
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