Ouviu-os
a abóbada azul do céu ilhéu, iluminou-os o sol primeiro de Agosto, assimilou-os
o chão livre da ‘mãe-terra’ de São Roque! Dos dois guardiões do Templo da
Palavra – ‘sentinelas da madrugada’ da Vida – brotaram feixes torrenciais que
inundaram a atmosfera envolvente daquela tarde estival.
Devo confessar que, em 60 anos de
percurso presbiteral e mais 12 na escola de tirocínio para a missão nos bancos
dos Seminários Diocesanos, em cerimónias idênticas, jamais escutara eu
mensagens proféticas tão eloquentes e persuasivas como as proferidas pelo Padre
José Luís Rodrigues e pelo recém-ordenado Padre João Gonçalves, respectivamente
pároco e paroquiano, em cuja linguagem
era visível o filão de água inspiradora que liga a nascente ao rio, tal como o
genoma de uma paternidade espiritual transmitida ao filho iniciático,
confluindo ambos num mesmo pulsar de
emoções, ideias e projecções.
Chamo-lhes discursos “apostólicos”
porque, face aos tempos actuais, vejo-os semelháveis ao realismo sociológico da
Carta de Tiago, à apologética de Paulo no Areópago de Atenas e à abrangência ecuménica
de Pedro após a visita à casa do pagão Cornélio. E da mesma forma que estes
pioneiros da Palavra desassossegaram a inércia do mundo de então, também não
restam dúvidas de que a mensagem vigorosa dos dois pregoeiros do Evangelho tem
a beleza e o fragor do vento norte capaz de fazer mexer as águas tépidas em que
navega a Diocese da Madeira. E é aí que reside a força propulsora do ‘fermento
que leveda toda a massa”.
Que provas maiores tenho a dar do que
citar o Padre José Luís Rodrigues na sua incisiva saudação ao neo-colega, Padre
João Gonçalves:
“Para
os tempos sombrios que nos assolam, o Padre João é um sinal de esperança. E,
particularmente, para nós, padres do Funchal, esperamos que seja uma lufada de
ar fresco para dentro de um presbitério oprimido pela tristeza, pela divisão e
pelo desencanto. E, às vezes, inverosímeis maldades de uns contra os outros. As
chagas do síndrome de ‘bounot’ clerical do nosso presbitério precisam do óleo rejuvenescido
da tua esperança, sabedoria e entusiasmo… E quanta falta faz pessoas assim a
uma Igreja da Madeira, onde escasseia a reflexão amadurecida e o pensamento diversificado
e livre! Já me deste provas de coragem e determinação. São fortes princípios
basilares da idiossincrasia do ‘ser padre’. Bem hajas por essa surpreendente
lucidez e coragem.
Vale
a pena abrir o “Banquete da Palavra” e o canal “Contar com letras” (da autoria
do Padre José Luís) para saborear e assimilar a energia clarividente do seu
discurso que termina com esta ‘chave de ouro’ de oratória e evangélica utopia:
“Por
tudo, caro Padre João, bem vindo ao regaço do sonho transformador pelo serviço
corajoso da partilha da vida feita pão partido do amor, distribuído por todos
sem fazer aceção de ninguém. E que te ofereças sempre inteiro à religião
emanação do Espírito e da vida (contra a busca da fama ou a fome das importâncias
dadas por tachos e títulos anacrónicos). Sinto uma pena enorme por causa de não
ter existido vontade e engenho para uma maior valorização em estudos fora do
reduto ilhéu da menoridade em que vivemos. E temo que o teu valor se reduza
outra vez à condição de pião que andará de paróquia em paróquia apenas”.
Não menos impressiva, intimista e, ao
mesmo tempo, globalizante foi o discurso do novo sacerdote. Destaco a sua opção
cimeira pela condição periférica da condição humana. Não lhe percamos uma só
palavra:
“O
futuro do cristianismo passa muito por assumir a fronteira não como um lugar a
transpor, mas como a sua própria situação e que seremos fermento no meio do
mundo, na justa medida em que nos tornarmos periféricos, renunciando à lógica
da maximização de lucros, otimização de recursos e massificação de crentes… Que
o Senhor Jesus nos ajude a não ter medo da fronteira e que a sua graça nos
ensine a habitá-la na sua rudeza, mesmo se incompreesível”.
E termina na cúpula da mais estrénua espiritualidade
crística, genial justificativo da sua opção pastoral:
“Porque foi o próprio Senhor Jesus um
marginal errante, um Deus nómada”.
Guardem estas palavras! Guardemo-las
como joias monumentais, reprodutivas, desde a Primeira Missa, a Nova, até à
última que o Padre João celebrar aqui na terra.
Respiremos a “lufada de ar fresco”, como
disse o Padre José Luís, por sobre aquela tarde de domingo escaldante. O apoio
manifestado por colegas presentes traduz à evidência que, na Diocese da
Madeira, algo de novo surgiu no primeiro sol nascente de Agosto de 2021.
Da minha parte, este único voto:
Um “João Gonçalves”, o Zargo, descobriu
a Ilha, na periferia do Reino. Outro “João Gonçalves”, o Padre Irmão, fará da
Ilha um novo Reino onde todos terão lugar, desde os marginais mais ‘próximos’
até aos periféricos mais longínquos!
03.Ago.21
Martins
Júnior
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