segunda-feira, 9 de agosto de 2021

FILHOS PANDÉMICOS: POBRES DE POBRES, MENDIGOS DE MENDIGOS

                                                                                  


Em época de  silly season  (passe o anglicismo para sublinhar o relaxe da estação) distendamos o arco de caça porque, já de muito longe vem o aviso, “o arco sempre tenso perde a elasticidade”. Deitados na areia ou sob a copa verde das figueiras, de olhar colado à terra ou perdido no vasto oceano, rebobinemos o filme destes dois anos em marcha e tentemos descobrir o nosso lugar, o papel que desempenhamos no guião desta forçada fita, em que somos protagonistaoercivos.

         Não será preciso recorrer às técnica 3D para toparmos a olho nu que, em todas as cenas e por mais extremas que sejam as distâncias, lá estamos nós – todos e cada um dos figurantes terráqueos – no indesejável estatuto de condenados à mendicidade, pública ou privada.

         A condição humana da contingência biológica põe-nos cinturados com a enorme pulseira de presos - mãos e, até, pés estendidos ao primeiro viandante que passa. Digam-no os milhões de milhões que pesam nos braços de médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, condutores de  ambulâncias e, no limite, das agências funerárias que, deixando fora toda a esperança, não podem fechar os ouvidos a quem lhes pede viagem até à próxima e última estação. Digam-no todos quantos imploram, dentro ou fora de casa, um olhar perto, um abraço, uma carícia,  um beijo, mas a melhor esmola que lhes podemos dar é afastarem-se, condenados que estão ao suplício de Tântalo que, ao aproximar a boca sequiosa, via secar-se a água do lago onde estava mergulhado. Redobrado castigo sem crime!

         E o pão, o prato, o leite para as crianças, o vestuário, a renda da casa, a receita da farmácia?... Benditos, porque generosos e solidários, os cabazes familiares, os apoios vicinais, os polos comunitários. Pobres que ajudam pobres.

         E pobres que ajudam ricos!... Ironia dos tempos, a geração pandémica apeou das carruagens os que olhavam de revés o pobre povo andar descalço por caminhos poeirentos. Senhores Empresários, poliglotas Hoteleiros, emproados Banqueiros, Comércio, Indústria, Aviação, Transportes miúdos e graúdos – todos esperaram de mão estendida “à porta da Sé” estatal. Lembraram-se, então, que o cheque do Estado não era do Presidente ou do Primeiro: ficou na conta do contribuinte pobre, o operário, o pescador, o agricultor, o trabalhador indiferenciado?!...

         Palavras de outrora, de sempre: ‘É-se sempre o pobre de alguém’!

         E porque estamos espreguiçados  à sombra da palmeira de uma ilha imaginária,  (a nossa doméstica silly season) deixo a quem lê a tarefa-passatempo de continuar a descobrir outros mendigos auto-biográficos neste enredo em que nos ‘enredou’ a pandemia. Foi preciso um choque traumático na segunda década do século XXI para chegarmos a esta catarse , a um tempo deprimente mas libertadora e sumamente transfigurante: somos pobres uns dos outros!

E um outro rumo, uma ‘Nova Ordem Mundial’, aquele almejado Ethos Global de que nos falou o grande e humilde Hans Kung!   

 

         09.Ago.21

         Martins Júnior        

 

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