Em
época de silly season (passe o
anglicismo para sublinhar o relaxe da estação) distendamos o arco de caça
porque, já de muito longe vem o aviso, “o arco sempre tenso perde a
elasticidade”. Deitados na areia ou sob a copa verde das figueiras, de olhar
colado à terra ou perdido no vasto oceano, rebobinemos o filme destes dois anos
em marcha e tentemos descobrir o nosso lugar, o papel que desempenhamos no
guião desta forçada fita, em que somos protagonistaoercivos.
Não será preciso recorrer às técnica 3D
para toparmos a olho nu que, em todas as cenas e por mais extremas que sejam as
distâncias, lá estamos nós – todos e cada um dos figurantes terráqueos – no
indesejável estatuto de condenados à mendicidade, pública ou privada.
A condição humana da contingência
biológica põe-nos cinturados com a enorme pulseira de presos - mãos e, até, pés
estendidos ao primeiro viandante que passa. Digam-no os milhões de milhões que
pesam nos braços de médicos, enfermeiros, assistentes operacionais, condutores
de ambulâncias e, no limite, das
agências funerárias que, deixando fora toda a esperança, não podem fechar os
ouvidos a quem lhes pede viagem até à próxima e última estação. Digam-no todos
quantos imploram, dentro ou fora de casa, um olhar perto, um abraço, uma
carícia, um beijo, mas a melhor esmola que
lhes podemos dar é afastarem-se, condenados que estão ao suplício de Tântalo
que, ao aproximar a boca sequiosa, via secar-se a água do lago onde estava
mergulhado. Redobrado castigo sem crime!
E o pão, o prato, o leite para as
crianças, o vestuário, a renda da casa, a receita da farmácia?... Benditos,
porque generosos e solidários, os cabazes familiares, os apoios vicinais, os
polos comunitários. Pobres que ajudam pobres.
E pobres que ajudam ricos!... Ironia
dos tempos, a geração pandémica apeou das carruagens os que olhavam de revés o
pobre povo andar descalço por caminhos poeirentos. Senhores Empresários,
poliglotas Hoteleiros, emproados Banqueiros, Comércio, Indústria, Aviação,
Transportes miúdos e graúdos – todos esperaram de mão estendida “à porta da Sé”
estatal. Lembraram-se, então, que o cheque do Estado não era do Presidente ou
do Primeiro: ficou na conta do contribuinte pobre, o operário, o pescador, o
agricultor, o trabalhador indiferenciado?!...
Palavras de outrora, de sempre: ‘É-se
sempre o pobre de alguém’!
E porque estamos espreguiçados à sombra da palmeira de uma ilha imaginária, (a nossa doméstica silly season) deixo a quem lê a tarefa-passatempo de continuar a
descobrir outros mendigos auto-biográficos neste enredo em que nos ‘enredou’ a
pandemia. Foi preciso um choque traumático na segunda década do século XXI para
chegarmos a esta catarse , a um tempo deprimente mas libertadora e sumamente transfigurante:
somos pobres uns dos outros!
E
um outro rumo, uma ‘Nova Ordem Mundial’, aquele almejado Ethos Global de que nos falou o grande e humilde Hans Kung!
09.Ago.21
Martins
Júnior
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