Quando
digo “Afeganistão” digo todo o mundo feito e todo o mundo a haver. E quando
digo “Funchal” plasmo toda a ilha e todos os arquipélagos. Porque o que vai passar-se
amanhã no Teatro ‘Baltazar Dias’ rompe todos os mares e todas as fronteiras,
sejam as geográficas, sejam as temporais. É um “caso cósmico”, com raízes
inarrancáveis, com marcas incicratizáveis.
O tema envolve o corpo inteiro da
história humana, tal qual o peritoneu concentra todos os movimentos metabólicos
do organismo fisio-biológico que nos mantém de pé. Obliterá-lo ou mesmo
camuflá-lo com suaves crepes é adiar a solução. Trata-se da definição
identitária da Mulher – desde a primeira à última – neste deambular dialéctico
da história. Há quem lhe atribua outros rostos: emancipação feminina, igualdade
de género, luta contra a violência doméstica, complementaridade homem-mulher, entronização
da condição feminina…
Seja qual o figurino, o mundo sempre se
defrontou com este drama que, em estrito rigor valorativo, nunca deveria
existir. Não vou desdobrar-me em teses, antíteses ou sínteses, já proficientemente
elaboradas por abalizados investigadores. Apenas abrirei dois trilhos para
chegar à nascente pantanosa que envenenou os rios ultra-milenares da condição
humana e que não pára de contaminar os afluentes do mundo onde navegamos.
Resumo-os assim:
Primeiro, a biologia empírica e, por
isso, enviesada que dá razão à força braçal, à moldura dos membros, enfim, à
conclusão tribal que faz do macho o emissor iniciático e da fêmea o receptáculo
passivo ou, por outras palavras, dá supremacia absoluta ao semeador e
obediência servil à terra em cujo seio a semente se faz flor e fruto. Esta
visão injectada pelo mais rasteiro olhómetro e aceite pelos códigos dos
senhorios possantes, relegando a Mulher à condição de frágil colono, é esta
visão que, oriunda da selva, toma conta dos castelos urbanos. Quem porá fim ao
empirismo cego, mas embalsamado e perfumado?...
Segundo (aqui vêm o bálsamo e o perfume):
É o Livro do “Génesis” e, a partir daí, outras cosmogonias das religiões
abraâmicas, às quais se colam desenvolvimentos dedutivos, numa lógica
inflexível e obsoleta, espalhadas ao longo dos textos bíblicos. Por todos,
apraz-me sintetizá-los nesta ‘aberrante’ contradição: Assim como Moisés cedeu
ao machismo primitivo da sua época, Paulo Apóstolo, quando decreta solenemente que
“o Homem é a cabeça da mulher” (Efésios,
5, 21) deveria completar a sua peregrina alegoria, citando Moisés quando
este, afrontosamente, põe O Criador em cena (Génesis,
2, 21-22). Deveria Paulo de Tarso dizer, em rigoroso corolário, que a “Mulher é a (uma só) costela do homem”.
Quem
terá coragem de escrever direito sobre (e contra) estas linhas tortas, que
alguém despudoradamente atribuíu ao
Autor Supremo da Justiça Igualitária ?...
O
objectivo destes breves considerandos não consiste em doutrinar, muito menos
arvorar moralismos conventuais, mas tão-só responder às perguntas com que fechei
os dois parágrafos-retro: “Quem porá fim…? Quem terá coragem…?”.
Porque
me cansa de tanto ouvir homens ilustres defenderem estoicamente os Direitos da Mulher e da Cidadã, de
Olympe de George, desde já 1791, acudiu-me o discurso de Joe Biden, nesta
noite: “De que serve perder vidas no Afeganistão se os afegãos pouco ou nada
fazem em sua própria defesa?”.
Perdoem-me
se exagero. Mas quando se vê a Mulher – são quase todas na Igreja – ufanando-se
da sua condição de servas, passivas e subservientes, sem coragem de afirmar a
sua verticalidade e o seu direito à palavra (as Mulheres Católicas alemãs já
marcaram posição perante o Vaticano!) perante tal indiferentismo generalizado,
tem pleno vigor a interpelação de Biden.
Já
noutro registo, caí de bruços quando na RTP/M ouvi uma senhora pontassolense de
muita idade, nas eleições de 2017, manifestar-se ao jornalista contra uma
mulher candidata entre outros homens concorrentes: ”Enquanto houver cabeças, os
pés não mandam”. Ridicule, mais charmant!
Reflexos directos do “Génesis” e da Carta de Paulo de Tarso. Se fosse erudita,
a pobre senhora teria dito que “as costelas não mandam”.
Não
esperem as mulheres por advogados-homens (peço desculpa), sejam eles filósofos,
teólogos, juristas, actores (actores somos todos!), jornalistas, futebolistas e
quejandos. São elas que têm de defender o seu lugar ao sol da vida, na Igreja,
na Política, na Ciência, no Trabalho. Apetece inovar a velha palavra de ordem: “Mulheres
de todo o mundo, uni-vos”!
Não
voltarei a este tema. As mulheres têm talento, energia e criatividade para
abrir caminho. Como as Dez Mulheres, de muitas etnias e credos, com que encimo esta saudação escrita de dentro
para fora! Como as encenadoras, directoras e protagonistas dos “SALTOS ALTOS”
no Teatro Municipal do Funchal! Bem Hajam!
31,Ago/01.Set.21
Martins Júnior
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