terça-feira, 19 de outubro de 2021

O ELOGIO DA DESOBEDIÊNCIA E OS ‘CRIMES’ DA OBEDIÊNCIA

                                                                                


Desmultiplicam-se em mil cambiantes os elogios contraditório: entre eles, o elogio da cegueiras e da solidão, o elogio da fome e da sede, acabando todos no assombroso elogio fúnebre, a cereja em cima do bolo de todos os panegíricos. Mas, sendo ele o maior – o elogio da Desobediência – ninguém lhe dá trono. Porque teria de armar-lhe, ao lado, o cadafalso da ‘obediência’. Porque se a Desobediência, por ser virtude, tem direito a mausoléu, a obediência formal não merece outra sanção que não seja o de crime – e criminoso todo aquele que lhe presta vassalagem.

ARISTIDES SOUSA MENDES

Foi a sua biógrafa, Margarida Magalhães Ramalho, quem solenemente respondeu à não menos soleníssima pergunta, hoje, no Panteão da Pátria: “Que fez este Homem para merecer, primeiro, o ostracismo, depois a reabilitação e, por fim, o respeito mundial? Uma coisa tão simples: Desobedeceu”!

  Que abissal, enigmático e insuportável o glossário dos valores humanos e, daí, a contrariedade dos seus efeitos: pela Desobediência foram salvas milhares de vidas e pela obediência seriam barbaramente assassinadas outras tantas!...

Essa a maior glória do cônsul português em Bordéus. Tamanha aberração, ignomínia fatal da Humanidade: Por salvar milhares, arruinou a sua própria vida! Por isso, entre  todos os que dormem no sob o dossel marmóreo do Panteão, ele é o Maior !!!

E – oh cúmulo da contradição! – sendo o Maior naquela Casa é também Aquele que lá não tem nada de seu, nem uma unha, nem um fio capilar, nem um cheiro a cinza sua. Ficou tudo na paz rural de Cabanas de Viriato. No Panteão,  inscrita numa singela lápide, só lá vive e cresce a sua obra! A sua Desobediência. O seu Heroísmo. É tão alta e nobre a estatura de Aristides Sousa Mendes que não caberia jamais nas majestosas naves do nosso Capitólio.

Estranha simbiose liga o cônsul de Portugal a Israel. É um cordão interminável de mais de 10.000 judeus arrancados pela sua mão aos fornos crematórios do nazismo. Talvez por isso ou por sina ou  coincidência, em 1966, o Yad Vashem (Memorial do Holocausto), com sede em Jerusalém, proclamou-o “JUSTO ENTRE AS NAÇÕES”. E  perante este tão eloquente testemunho, quedo-me  sentidamente diante daquele comovente quadro do Gólgota, quando o centurião romano, perante o Nazareno que agonizava na cruz, não se conteve de emoção e razão, exclamando: “Verdadeiramente este Homem era UM JUSTO”!

Tocou-me até ao mais fundo esta dolorida constatação: Aristides Sousa Mendes só entrou no Panteão Nacional 67 anos depois da sua morte – uma morte inglória ao fim de 69 anos de vida tensa! Começo a pensar que foram precisas duas mortes – duas vidas! – para que Portugal lhe agradecesse a coragem intemerata de um combatente pela Vida, pela Liberdade. Por isso, torna-se redundante, até mesmo redutor, dizer-se que Aristides  Sousa Mendes  é uma honra para Portugal. Porque português também era o seu carrasco, Oliveira Salazar, que o ´matou´e aos filhos e netos, para os quais estavam vedadas as escolas e universidades portuguesas.  Aristides Sousa Mendes é universal, intemporal, Cidadão de Todas as Idades e de Todos os Lugares do Planeta!

Todos o louvam. Mas quem lhe quer vestir a pele, o coração e a mão?... Aquela mão por onde correu a tinta que salvou milhares de homens, mulheres e crianças !

O Panteão que Aristides Sousa Mendes mais almeja fica dentro de cada um de nós. E a maior homenagem que lhe podemos prestar é seguir as suas pegadas no modesto lugar que habitamos! Porque nazismos camuflados, miniaturados, ´democratizados’, há-os em toda a parte. Aqui também!

 

19.Out.21

Martins Júnior  

 

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