Desmultiplicam-se
em mil cambiantes os elogios contraditório: entre eles, o elogio da cegueiras e
da solidão, o elogio da fome e da sede, acabando todos no assombroso elogio
fúnebre, a cereja em cima do bolo de todos os panegíricos. Mas, sendo ele o
maior – o elogio da Desobediência – ninguém lhe dá trono. Porque teria de
armar-lhe, ao lado, o cadafalso da ‘obediência’. Porque se a Desobediência, por
ser virtude, tem direito a mausoléu, a obediência formal não merece outra
sanção que não seja o de crime – e criminoso todo aquele que lhe presta
vassalagem.
ARISTIDES
SOUSA MENDES
Foi
a sua biógrafa, Margarida Magalhães Ramalho, quem solenemente respondeu à não
menos soleníssima pergunta, hoje, no Panteão da Pátria: “Que fez este Homem
para merecer, primeiro, o ostracismo, depois a reabilitação e, por fim, o
respeito mundial? Uma coisa tão simples: Desobedeceu”!
Que abissal, enigmático e insuportável o
glossário dos valores humanos e, daí, a contrariedade dos seus efeitos: pela Desobediência
foram salvas milhares de vidas e pela obediência seriam barbaramente assassinadas
outras tantas!...
Essa
a maior glória do cônsul português em Bordéus. Tamanha aberração, ignomínia fatal
da Humanidade: Por salvar milhares, arruinou a sua própria vida! Por isso, entre
todos os que dormem no sob o dossel
marmóreo do Panteão, ele é o Maior !!!
E
– oh cúmulo da contradição! – sendo o Maior naquela Casa é também Aquele que lá
não tem nada de seu, nem uma unha, nem um fio capilar, nem um cheiro a cinza
sua. Ficou tudo na paz rural de Cabanas de Viriato. No Panteão, inscrita numa singela lápide, só lá vive e
cresce a sua obra! A sua Desobediência. O seu Heroísmo. É tão alta e nobre a
estatura de Aristides Sousa Mendes que não caberia jamais nas majestosas naves
do nosso Capitólio.
Estranha
simbiose liga o cônsul de Portugal a Israel. É um cordão interminável de mais
de 10.000 judeus arrancados pela sua mão aos fornos crematórios do nazismo.
Talvez por isso ou por sina ou coincidência, em 1966, o Yad Vashem (Memorial do Holocausto), com sede em Jerusalém, proclamou-o
“JUSTO ENTRE AS NAÇÕES”. E perante este
tão eloquente testemunho, quedo-me
sentidamente diante daquele comovente quadro do Gólgota, quando o
centurião romano, perante o Nazareno que agonizava na cruz, não se conteve de
emoção e razão, exclamando: “Verdadeiramente este Homem era UM JUSTO”!
Tocou-me
até ao mais fundo esta dolorida constatação: Aristides Sousa Mendes só entrou
no Panteão Nacional 67 anos depois da sua morte – uma morte inglória ao fim de
69 anos de vida tensa! Começo a pensar que foram precisas duas mortes – duas vidas!
– para que Portugal lhe agradecesse a coragem intemerata de um combatente pela
Vida, pela Liberdade. Por isso, torna-se redundante, até mesmo redutor,
dizer-se que Aristides Sousa Mendes é uma honra para Portugal. Porque português
também era o seu carrasco, Oliveira Salazar, que o ´matou´e aos filhos e netos,
para os quais estavam vedadas as escolas e universidades portuguesas. Aristides Sousa Mendes é universal, intemporal,
Cidadão de Todas as Idades e de Todos os Lugares do Planeta!
Todos
o louvam. Mas quem lhe quer vestir a pele, o coração e a mão?... Aquela mão por
onde correu a tinta que salvou milhares de homens, mulheres e crianças !
O
Panteão que Aristides Sousa Mendes mais almeja fica dentro de cada um de nós. E
a maior homenagem que lhe podemos prestar é seguir as suas pegadas no modesto
lugar que habitamos! Porque nazismos camuflados, miniaturados, ´democratizados’,
há-os em toda a parte. Aqui também!
19.Out.21
Martins Júnior
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