domingo, 17 de outubro de 2021

ULTIMATO SUSPENSO SOBRE A CABEÇA DE POLÍTICOS, ECLESIÁSTICOS, CANDIDATOS AO PODER EM TODOS OS TEMPOS:

                                                                                            


A palavra e o cristal, realidades gémeas no seu espectro funcional, servem de rampa de passagem para o observatório que hoje proponho ocupar. Tal como o cristal poligonal, também a palavra e todo o texto em que ela se insere trazem a marca da multissemia  poliédrica, ou seja, são susceptíveis de múltiplas interpretações, desde as mais consensuais às mais contraditórias.

É o caso. Volto sempre ao LIVRO, por excelência, em cada início da semana. Hoje, por mais estranho que pareça, o texto - dito sagrado - traduz hoje uma realidade eminentemente política. Conta-se num parágrafo apenas:

O Nazareno, o “doce Jesus de Nazaré”, como lhe chamou Ernest Renan, fora anunciado pelos profetas para restaurar o Reino de Israel e, nessa mesma aura, assim o reconheciam os Doze, selecionados pelo próprio. Dois deles, ambos irmãos, filhos de um armador dono de um barco de pesca, lobrigando já o trono do futuro Rei, abordaram-no directamente e sem mais prefácios, meteram a cunha: ”Mestre, quando formares o governo do teu Reino, queremos ficar ao teu lado: eu à direita e o meu irmão à esquerda”. Por outras palavras: ‘eu como primeiro ministro e o meu irmão como ministro da presidência’.

Em apenas um parágrafo, aí está a radiografia inexorável da história do Poder - do passado, do presente e do futuro - sob todos os quadrantes onde o Poder assenta arraiais. Não peço licença para actualizar, em dois ou três episódios, o teatro breve que respiguei do LIVRO, mesmo que possa ferir algumas susceptibilidades.

CENA 1

Na tômbola político-partidária das candidaturas, lá se metem furões, especialistas em caça, um à socapa, outro sem máscara e ainda outro com o peso de um saco azul ou com a leveza de um cheque: ‘olha, arranja-me aí um ludar de deputado, mas elegível, dos primeiros; ou para vice-presidente ou ministro,  secretário ou para a Câmara, ou para algum cargo de confiança política. Conta comigo, posso não ter habilitações, mas sempre fomos amigos’.

CENA 2

Para a tal ou qual empresa público-privada, sabes que sempre fui gestor de um bar-mercearia lá do bairro,  também sou capaz de tomar conta do cofre da tesouraria, não te esqueças, à direita ou à esquerda pouco  importa, quero é ficar ao teu lado. Sou enfermeiro, doutor, economista, engenheiro e quejandos, vê lá o que arranjas, senão vou denunciar-te daquilo que ‘tu sabes que eu sei’. E se der certo, não vais ficar de mãos a abanar…

CENA 3

O neo-presbítero, impecável no traje, gola alvíssima num pescoço anémico, eclesiástico exemplar, ‘cabecinha à banda’, vai rojando a sotaina do bispo para tentar calçar-se com as meias vermelhas de cónego,  deste para  monsenhor, de monsenhor para cardial e mais além, mais,  ‘mais do que promete a força humana’. E se tanto não for possível, ao menos uma paróquia mais gorda que a que tenho agora’…

CENAS OUTRAS

Convido quem me lê a que adicione outras cenas idênticas que, porventura, passar-se-ão à sua volta. Onde está o Poder também está o dinheiro, a vertigem incurável do oportunismo, do amiguismo, do calculismo milimétrico, bajulador.

Tiagos, Joões e afins, essa geração réptil, mas arrogante, nunca mais acaba enquanto houver  luta desenfreada  pelo Poder. Importante é saber a resposta do Mestre. Vem em Marcos, 10, 35-45  . ‘Não sabeis o que estais a dizer ou a pedir. O único posto que tenho para vos oferecer é  um cálice de amarguras e um baptismo de sangue… Quem, entre vós, quer ser o primeiro seja vosso servo e quem pretende ser o maior seja o escravo dos outros… Não vim para ser servido, mas para servir”!

Políticos, ministros, líderes, candidatos, será este o vosso móbil, único e assumido, ao rondar as tenazes do dragão todo-poderoso?

Eclesiásticos, hierarcas purpurados, ridiculamente carnavalados, de luzidios colares efeminados ao peito em lustroso escarlate palaciano (tudo lixo para Jesus de Nazaré!)  será o serviço do Povo de Deus que vos faz (que nos faz!) correr ou, antes, o camuflado auto-serviço igual aos reinos do mundo?

  O ultimato do Mestre da Galileia atravessa vinte séculos de uma jornada interminável e traz-nos o eco da sua voz na palavra de ordem de Francisco Papa: “Poder é Serviço. Mandar é Servir”!!!

 

17.Out.21

Martins Júnior  

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