terça-feira, 1 de outubro de 2024

SAIR POR CIMA – ALVORADA REDIVIVA!

                                                                             


Dantesca, arrepiante e, ao mesmo tempo, inspiradora aquela    de horror e êxtase que nos trouxe Agosto em  chamas. Um fogo cachoeiro sem freio transforma em inferno horrendo  a cúpula cimeira das montanhas, E um todo-nada mais além e mais acima a placidez de uma lua de ouro cheia, serena e bela, subia a sua rota. Medonho contraste que, para apaziguá-lo, outro bálsamo não me ocorreu senão os alexandrinos que  Guerra Junqueiro dedicou Aos Simples:

                                                       


E a lua branca além por entre as oliveiras

Como a alma de um justo subia em triunfo  ao céu

        

         Do cenário observado e repetido nos incêndios da ilha e que aqui se descreve resulta uma conclusão geradora de um olhar optimista sobre a paisagem da vida e da história, qual seja o de sair por cima dos obstáculos e afrontamentos com que somos agredidos pelas vicissitudes cíclicas do percurso existencial.

         Assim, passarei ao largo das guerras, dos tumultos, dos incêndios, das torrentes diluvianas que inundam os media e perturbam o nosso equilíbrio neurovegetativo e darei guarida preferencial às ideias, iniciativas e movimentos que, como a lua positiva  por sobre  o lume destruidor, nos dão ânimo para prosseguir viagem.

         Por hoje, trago a notícia libertadora de meio-século daquele “Dia inteiro e limpo”, evocada em Machico pela Associação Cultural “Mãos d’Arte”., no Fórum local. O programa, ligeiro de tom mas rico de conteúdo, teve por mérito impressivo três momentos distintos: informação, coreografia e música. A informação esteve a argo do Doutor Bernardo Martins que, com mestria e acurado sentido pedagógico, transmitiu ao auditório o historial de “Machico no 25 de Abril de 1974”, aliás, a sua tese de Mestrado, relevando como protagonista dos acontecimentos a entidade “Povo”, sem o qual não teriam sucesso as conquistas então alcançadas, na esteira da Revolução dos Cravos pelos militares de Abril. Particularmente esclarecedora foi a entrevista a Manuel Gonçalves, um militar mobilizado na guerra colonial que, em certa medida, despoletou a reconquista da liberdade em todo o território português.

         A coreografia encheu o palco e a alma dos presentes com a exibição de um grupo de adolescentes numa linguagem gestual  demonstrativa da agilidade artística e mental caracterizadora da liberdade renascida no solo madeirense, na pátria portuguesa.

                                                                          


         A mensagem universal que a música representa em todos os tempos esteve ali  bem patente  em dois painéis complementares ‘ao vivo’: a nível vocal, pelo coro infantil “Flores de Maio”, do Porto da Cruz, que surpreendentemente, para mim e para o público, interpretou num estilo diáfano, angelical, uma rapsódia bem sequenciada das canções e dos cantautores de Abril. A nível instrumental, evidenciou-se a “TCM-Tuna de Câmara de Machico”, crianças, adolescentes e jovens da Ribeira Seca, que interpretaram a emblemática Grândola, Vila Morena, intermediaram com uma viagem melódica por Portugal Continental e Insular, terminando com a apoteose de “Machico, Terra de Abril”:

                                      A terra é toda verde

                                      O mar é azul de anil

                                      Machico verde verde

                                      Como um cantar de Abril

         O mais expressivo desta iniciativa e de maior alcance para a vivência concreta da sociedade é o facto de ter sido realizada, não no ápice das comemorações espectaculares da Revolução dos Cravos, mas no normal currículo dos dias. Não com a retumbância campanuda dos anúncios luminosos ou dos ecrãs publicitários, mas no aconchego familiar da comunidade machiquense. Porque o “25 de Abril” não é foguete de estalo nem jacto explosivo de lantejoulas cadentes: é o pulsar dos dias e das horas, é o ar que se respira e a manhã que se renova. E é o sol do meio-dia sobre o lume e as cinzas da noite!

         Hoje, 1 de Outubro – Dia do Idoso -  regressa também a alvorada da vida naquelas e  naqueles, como eu, que navegaram já os mares por outros navegados e por outros que neles demandarão as estâncias e os escolhos que nós já ultrapassámos. Glória aos Velhos, testemunhas redobradas do “Dia inteiro e limpo”!

              E no Dia Mundial da Música, canções mil – acordes vibrantes que derrubam barreiras e abrem clareiras de esperança no porvir das gerações!

 

                01.Out.24

Martins Júnior

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