Dantesca,
arrepiante e, ao mesmo tempo, inspiradora aquela    de horror e êxtase que nos trouxe Agosto em
 chamas. Um fogo cachoeiro sem freio
transforma em inferno horrendo  a cúpula
cimeira das montanhas, E um todo-nada mais além e mais acima a placidez de uma lua
de ouro cheia, serena e bela, subia a sua rota. Medonho contraste que, para apaziguá-lo,
outro bálsamo não me ocorreu senão os alexandrinos que  Guerra Junqueiro dedicou Aos Simples:
E a lua branca além por entre as oliveiras
Como a alma de um justo subia em
triunfo  ao céu
         
         Do cenário observado e repetido nos
incêndios da ilha e que aqui se descreve resulta uma conclusão geradora de um olhar
optimista sobre a paisagem da vida e da história, qual seja o de sair por cima
dos obstáculos e afrontamentos com que somos agredidos pelas vicissitudes cíclicas
do percurso existencial.
         Assim, passarei ao largo das guerras,
dos tumultos, dos incêndios, das torrentes diluvianas que inundam os media e
perturbam o nosso equilíbrio neurovegetativo e darei guarida preferencial às
ideias, iniciativas e movimentos que, como a lua positiva  por sobre 
o lume destruidor, nos dão ânimo para prosseguir viagem.
         Por hoje, trago a notícia libertadora
de meio-século daquele “Dia inteiro e limpo”, evocada em Machico pela Associação
Cultural “Mãos d’Arte”., no Fórum local. O programa, ligeiro de tom mas rico de
conteúdo, teve por mérito impressivo três momentos distintos: informação,
coreografia e música. A informação esteve a argo do Doutor Bernardo Martins que,
com mestria e acurado sentido pedagógico, transmitiu ao auditório o historial
de “Machico no 25 de Abril de 1974”, aliás, a sua tese de Mestrado, relevando como
protagonista dos acontecimentos a entidade “Povo”, sem o qual não teriam
sucesso as conquistas então alcançadas, na esteira da Revolução dos Cravos
pelos militares de Abril. Particularmente esclarecedora foi a entrevista a Manuel
Gonçalves, um militar mobilizado na guerra colonial que, em certa medida, despoletou
a reconquista da liberdade em todo o território português. 
         A coreografia encheu o palco e a alma dos
presentes com a exibição de um grupo de adolescentes numa linguagem gestual  demonstrativa da agilidade artística e mental
caracterizadora da liberdade renascida no solo madeirense, na pátria
portuguesa.
         A mensagem universal que a música representa
em todos os tempos esteve ali  bem
patente  em dois painéis complementares ‘ao vivo’: a nível vocal, pelo coro
infantil “Flores de Maio”, do Porto da Cruz, que surpreendentemente, para mim e
para o público, interpretou num estilo diáfano, angelical, uma rapsódia bem sequenciada
das canções e dos cantautores de Abril. A nível instrumental, evidenciou-se a
“TCM-Tuna de Câmara de Machico”, crianças, adolescentes e jovens da Ribeira
Seca, que interpretaram a emblemática Grândola, Vila Morena, intermediaram
com uma viagem melódica por Portugal Continental e Insular, terminando com a
apoteose de “Machico, Terra de Abril”:
                                      A terra
é toda verde
                                      O mar é
azul de anil
                                      Machico
verde verde
                                      Como um
cantar de Abril
         O mais expressivo desta iniciativa e de
maior alcance para a vivência concreta da sociedade é o facto de ter sido
realizada, não no ápice das comemorações espectaculares da Revolução dos
Cravos, mas no normal currículo dos dias. Não com a retumbância campanuda dos
anúncios luminosos ou dos ecrãs publicitários, mas no aconchego familiar da
comunidade machiquense. Porque o “25 de Abril” não é foguete de estalo nem jacto
explosivo de lantejoulas cadentes: é o pulsar dos dias e das horas, é o ar que
se respira e a manhã que se renova. E é o sol do meio-dia sobre o lume e as
cinzas da noite!
         Hoje, 1 de Outubro – Dia do Idoso -  regressa também a alvorada da vida naquelas e  naqueles, como eu, que navegaram já os mares
por outros navegados e por outros que neles demandarão as estâncias e os
escolhos que nós já ultrapassámos. Glória aos Velhos, testemunhas redobradas do
“Dia inteiro e limpo”!
              E no Dia Mundial da Música, canções
mil – acordes vibrantes que derrubam barreiras e abrem clareiras de esperança
no porvir das gerações!
                01.Out.24
Martins Júnior



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