Tão
cedo interrompo o propósito de, nestas páginas, só dar guarida ao lado positivo
dos acontecimentos, tal como aquela lua cheia subindo ao céu por sobre o
inferno das montanhas a arder. Por isso, quero reduzir a poucos parágrafos o espectáculo deprimente de uma dobadoira rolante, sem direcção, que tem
sido dado aos portugueses nestes dias últimos.
Que
o mundo anda em transe neurótico é a evidência que começa no chão trágico de Gaza,
do Líbano, do Sudão e entra nas nossas casas. Mas o que não se esperava é que
fosse dos pacíficos jardins de Belém que rebentassem os fluidos gazes de desestabilização,
tremores públicos, “instabilidade social”, numa palavra, de neurose colectiva.
Tudo porquê?... “ Alerta, Portugueses! Aí vem o monstro, o furacão assassino, o
Armagedon do Fim do Mundo”. E tem um nome híbrido: Dissolução do Parlamento-Convocação
de Eleições.
Lá
anda, por Seca e Meca, o Inquilino de Belém, entre Profeta da Desgraça e Velho
do Restelo, como suprema testemunha de jeová, a ameaçar de porta em porta, de praça
em praça, de feira em feira, “Por amor de Deus, evitem a catástrofe nacional”, o
dilúvio europeu, que vem arrasar Portugal. Vade retro, abrenuntio!
Mas
não é este o mesmo?, que há uns anos andou a pintar por quanto é muro da
opinião pública os ferozes dinossauros da mesma Dissolução, campanha
nauseabunda , repetida, ensandwuichada, nos media, até na tomada
de posse de um governo legitimamente votado pela população. Afogueado como um combatente e
enxuto como um bacalhau, não hesita: desfaz mesmo o Parlamento Nacional
composto de uma maioria absoluta, constitucional, segura, imbatível. No
gabinete belenense, ele e só ele derruba o estável para dar lugar ao instável,
o certo pelo incerto, enfim, a paz institucional pela guerrilha eleitoral, na paranoica
sofreguidão de levar ao trono os seus gémeos partidários: ele, pai, parteiro e
padrinho deste feitiço, que agora se volta contra o feiticeiro e do qual não
pode livrar-se, tirando-lhe o pouco sono que ainda lhe resta, mendigando,
rastejando “não caiam na loucura de chumbar o Orçamento”, até chegar ao cúmulo
de faltar ao compromisso internacional assumido com a Letónia e a Polónia. Não
pode abandonar o país, por dois ou três dias, porque julga-se Luís Vaz de
Camões salvando com os braços no ar o Lusíada Orçamento da AD do ciclone que
ele próprio desencadeou.
Por
aqui me quedo, sem o mínimo interesse de entrar nessa hilariante arena ‘Orçamento
ou Morte’, mas apenas para exprimir o que um qualquer português médio sente: não nos tomem por parvos e não
projectem em nós o desconcerto que abala a(s) cabeça(s) mandante(s) em fim de
ciclo.
E,
sobretudo, para penitenciar-me por também ter votado no desconexo Dissolutor de
Parlamentos.
05.Out.24
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