quinta-feira, 13 de junho de 2019

FERNANDOS E ANTÓNIOS, PESSOAS E VIEIRAS


                                                                     

           Está finando o dia e o que dele  fica são balões, saias, ancas rolantes, marchantes foliões e … “Viv’Ó Santo António”!
         E o que dele fica – deste mago festivaleiro – é Zero. Rotundamente Zero. Ai, Fernando Martins de Bulhões, Santo António de Pádua  ou de Lisboa, o que de ti fizeram?!  Um histrião da feira ou, no melhor dos casos, um bobo da corte popular. Foram precisos 800 anos para te virarem o capelo como fazem aos polvos metidos  nas furnas da costa. Só aparecem quando caem na fisga dos predadores. Assim tu, também, só apareces nos andores das romarias depois de te desfigurarem a alma e embalsamarem o corpo com o Menino ao colo…
         Mata-se alguém quando se o deforma, ou lhe torce o pescoço e o rosto, ou quando  se lhe esquece o rasto. Foi o que fizeram do 13 de Junho de 1231, dia da  morte de um dos maiores protótipos da condição humana: intelectual, ávido do saber, teólogo, místico e asceta, dinâmico e combativo, martelo da apologética e da retórica, polemista e, no mesmo corpo, humilde servidor dos seus  confrades. Enfim, um génio! Conhecedor da Escolástica, herdeira da filosofia de Aristóteles, mas sequaz de Platão e de Agostinho de Hipona, passou de Lisboa para Coimbra, daí para Bolonha e para a França, deixou-se enfeitiçar pelas campanhas de África, na ânsia de evangelizar os povos, mas sem sucesso devido à sua precária saúde.
         Espírito vivaz e temperamento irrequieto, insatisfeito e multipolar,  onde cabiam personalidades plurais, talentos multiformes e aparentemente contraditórios, tocado pelo espinho dos sábios sedentos de alcançar o invisível, talvez o inalcançável, a Verdade Plena. Nesta vertente, identifico-o com o seu conterrâneo Fernando Pessoa, Neste, falecido com 47 anos, a riqueza polivalente do seu carácter reflectia-se nos heterónimos. Naquele, com apenas  36 anos, a versatilidade da sua personalidade manifestava-se não só nos  escritos, mas sobretudo na sua acção concreta. Quem o tem na conta de “santinho” inerte, romântico casamenteiro ou babado “padrinho” das marchas populares, desengane-se. Prova da sua luta implacável contra os agiotas sem escrúpulos, exploradores do trabalho alheio, encontramo-la nos seus rasgos de eloquência, dirigidos aos usurários, aos soberbos e aos homens de leis,  “os quais, (cito) para ganhar dinheiro, ladram nos pretórios como cachorros”!!!
         Não admira, pois, que 400 anos mais tarde, o “Imperador da Língua Portuguesa”, Padre António Vieira, nascido também em Lisboa em 6 de Fevereiro de 1608, tenha colocado no galarim dos seus eleitos o  sósia e conterrâneo e nele se tenha inspirado para o famoso “Sermão de Santo António aos Peixes”.
         Entendi ser meu dever arrancar o manto opaco, quase carnavalesco, com que nesta data tapam alegre e despudoradamente o verdadeiro  rosto do Magno António de Lisboa, o grande ausente do seu dia e da sua festa. Junto-me assim, e com isso, dirijo as maiores congratulações aos atentos  comentadores Dr. Nelson Veríssimo e  Pe. José Luís Rodrigues pelo seu oportuno escrito sobre o mesmo tema. Tem de haver quem informe a multidão, ao menos para desagravar os nossos Maiores e devolver-lhes a sua inteira e nobre identidade!

13.Jun.19
Martins Júnior  

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