Está finando o dia e o
que dele fica são balões, saias, ancas
rolantes, marchantes foliões e … “Viv’Ó Santo António”!
E o que dele fica – deste mago festivaleiro
– é Zero. Rotundamente Zero. Ai, Fernando Martins de Bulhões, Santo António de
Pádua ou de Lisboa, o que de ti
fizeram?! Um histrião da feira ou, no
melhor dos casos, um bobo da corte popular. Foram precisos 800 anos para te
virarem o capelo como fazem aos polvos metidos
nas furnas da costa. Só aparecem quando caem na fisga dos predadores.
Assim tu, também, só apareces nos andores das romarias depois de te
desfigurarem a alma e embalsamarem o corpo com o Menino ao colo…
Mata-se alguém quando se o deforma, ou
lhe torce o pescoço e o rosto, ou quando se lhe esquece o rasto. Foi o que fizeram do
13 de Junho de 1231, dia da morte de um
dos maiores protótipos da condição humana: intelectual, ávido do saber,
teólogo, místico e asceta, dinâmico e combativo, martelo da apologética e da
retórica, polemista e, no mesmo corpo, humilde servidor dos seus confrades. Enfim, um génio! Conhecedor da
Escolástica, herdeira da filosofia de Aristóteles, mas sequaz de Platão e de
Agostinho de Hipona, passou de Lisboa para Coimbra, daí para Bolonha e para a
França, deixou-se enfeitiçar pelas campanhas de África, na ânsia de evangelizar
os povos, mas sem sucesso devido à sua precária saúde.
Espírito vivaz e temperamento
irrequieto, insatisfeito e multipolar, onde
cabiam personalidades plurais, talentos multiformes e aparentemente
contraditórios, tocado pelo espinho dos sábios sedentos de alcançar o
invisível, talvez o inalcançável, a Verdade Plena. Nesta vertente, identifico-o
com o seu conterrâneo Fernando Pessoa, Neste, falecido com 47 anos, a riqueza
polivalente do seu carácter reflectia-se nos heterónimos. Naquele, com apenas 36 anos, a versatilidade da sua personalidade manifestava-se
não só nos escritos, mas sobretudo na
sua acção concreta. Quem o tem na conta de “santinho” inerte, romântico
casamenteiro ou babado “padrinho” das marchas populares, desengane-se. Prova da
sua luta implacável contra os agiotas sem escrúpulos, exploradores do trabalho
alheio, encontramo-la nos seus rasgos de eloquência, dirigidos aos usurários, aos
soberbos e aos homens de leis, “os
quais, (cito) para ganhar dinheiro,
ladram nos pretórios como cachorros”!!!
Não admira, pois, que 400 anos mais
tarde, o “Imperador da Língua Portuguesa”, Padre António Vieira, nascido também
em Lisboa em 6 de Fevereiro de 1608, tenha colocado no galarim dos seus eleitos
o sósia e conterrâneo e nele se tenha
inspirado para o famoso “Sermão de Santo António aos Peixes”.
Entendi ser meu dever arrancar o manto
opaco, quase carnavalesco, com que nesta data tapam alegre e despudoradamente o
verdadeiro rosto do Magno António de
Lisboa, o grande ausente do seu dia e da sua festa. Junto-me assim, e com isso,
dirijo as maiores congratulações aos atentos comentadores Dr. Nelson Veríssimo e Pe. José Luís Rodrigues pelo seu oportuno
escrito sobre o mesmo tema. Tem de haver quem informe a multidão, ao menos para
desagravar os nossos Maiores e devolver-lhes a sua inteira e nobre identidade!
13.Jun.19
Martins Júnior
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