Na
curva estreita do fim de semana, achei-me de repente em contra-mão. É que no meio das tropelias
divertidas e turbulentas da praça pública, uma onda pairava nos ares e nos mares
circundantes. Era a dança dos espíritos, ora suaves como a brisa da tarde, ora provocantes
como o rumor da ventania na manhã do Pentecostes.
Talvez por isso, porque hoje a ‘folhinha’
do calendário marcou precisamente o “Dia do Pentecostes”, tudo em meu redor
parece-se com o roçar de asa esvoaçante,
derramando fagulhas de luz na paisagem. É a mensagem do espírito, a linguagem
dos espíritos, a começar pelas vistosas e lautas “Festas do Espírito Santo”.
Quão
difícil falar do espírito! Da hipostática junção deste mistério ambulante que é
cada um de nós: corpo-espírito. Em que
órgão do nosso corpo habita a alma?... Onde é que ela começa e onde é que ela
acaba?...Nem a esta magna questão conseguiu responder o nosso famoso
neuro-cirurgião, Egas Moniz, Prémio Nobel da Medicina, quando dizia que “nunca tinha
encontrado a alma na ponta do bisturi”. Da minha parte, sem mais delongas, aventarei a
hipótese de que o espírito mora em todo o nosso corpo, desde as artérias fatais
aos mais inexpressivos capilares, desde o ‘maestro’ hipotálamo aos mais
invisíveis neurónios. Está em tudo a alma toda. Recorrendo a uma aplicação mais
ampla, direi que é dentro da mística morada deste espírito que se situa a ’alma’ de todas as
coisas. Incomensurável, poderosíssima é a força do espírito: “Não há machado
que corte a raiz ao pensamento”!
E
como achar essoutro enigma, de transcendência tamanha, a que pelos séculos fora
se convencionou chamar “Espírito Santo”?... Tremenda aventura e não menos
temeridade pretender um ser finito desbravar a torre inexpugnável do
Infinito!... É caso para dar a voz ao que está no fim do mar: “Quem ousou (ou ousará) entrar nas minhas cavernas…/
Quem vem poder o que só eu posso/ que moro onde nunca ninguém me visse”?...
É
verdade que a Revelação, inscrita no “Livro”, vem ao encontro da nossa miopia congénita. Mas
(permitam-me) à força de tanto autonomizar e entronizar o “Espírito Santo”, não
estaremos a correr o risco de dissecar o Deus Uno e fazer abalar a “indivisível
Trindade”? A História é clara sobre os tumultuosos conflitos entre o arianismo
e o catolicismo romano, repetidos a propósito da Questão do “Filioque”. Mais ouso adiantar que, nos termos de uma Fé esclarecida, quem recebe Deus recebe-o por
inteiro e não às prestações. É a partir do
Baptismo que tal doação se concretiza.
Nesta
área devocionista, a imaginação popular, com especial incidência na Madeira e desde
os primórdios do seu povoamento, achou jeitoso e divertido um estilo muito
peculiar, concentrando a homenagem ao Espírito numa campanha de angariação de
lucros com acompanhamento folclórico, muito apreciado em certas zonas rurais.
Mas
hoje é a apoteose dos espíritos: da amizade, da coerência, da tolerância, da
criatividade, a vários níveis, a todos os níveis da produtividade humana. Nesta
interpretação (sem prejuízo e respeitando quaisquer outras interpretações)
julgo não estar longe da verdade se
disser que o “Mercado Quinhentista” é uma prestimosa e genuína manifestação do
espírito. Um Bem-Haja à organização e a todos os participantes.
Anima sana in corpore
sano!
Cultivar
o Corpo para nele fazer crescer o Espírito! Viva!
09.Jun.19
Martins Júnior
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