domingo, 9 de junho de 2019

A APOTEOSE DOS ESPÍRITOS


                                                             

Na curva estreita do fim de semana, achei-me de repente  em contra-mão. É que no meio das tropelias divertidas e turbulentas da praça pública, uma onda pairava nos ares e nos mares circundantes. Era a dança dos espíritos, ora suaves como a brisa da tarde, ora provocantes como o rumor da ventania na manhã do Pentecostes.
         Talvez por isso, porque hoje a ‘folhinha’ do calendário marcou precisamente o “Dia do Pentecostes”, tudo em meu redor parece-se com o roçar  de asa esvoaçante, derramando fagulhas de luz na paisagem. É a mensagem do espírito, a linguagem dos espíritos, a começar pelas vistosas e lautas “Festas do Espírito Santo”.
Quão difícil falar do espírito! Da hipostática junção deste mistério ambulante que é cada um de nós:  corpo-espírito. Em que órgão do nosso corpo habita a alma?... Onde é que ela começa e onde é que ela acaba?...Nem a esta magna questão conseguiu responder o nosso famoso neuro-cirurgião, Egas Moniz, Prémio Nobel  da Medicina, quando dizia que “nunca tinha encontrado a alma na ponta do bisturi”.  Da minha parte, sem mais delongas, aventarei a hipótese de que o espírito mora em todo o nosso corpo, desde as artérias fatais aos mais inexpressivos capilares, desde o ‘maestro’ hipotálamo aos mais invisíveis neurónios. Está em tudo a alma toda. Recorrendo a uma aplicação mais ampla, direi que é dentro da mística morada deste  espírito que se situa a ’alma’ de todas as coisas. Incomensurável, poderosíssima é a força do espírito: “Não há machado que corte a raiz ao pensamento”!
E como achar essoutro enigma, de transcendência tamanha, a que pelos séculos fora se convencionou chamar “Espírito Santo”?... Tremenda aventura e não menos temeridade pretender um ser finito desbravar a torre inexpugnável do Infinito!... É caso para dar a voz ao que está no fim do mar: “Quem ousou (ou ousará) entrar nas minhas cavernas…/ Quem vem poder o que só eu posso/ que moro onde nunca ninguém me visse”?...
É verdade que a Revelação, inscrita no “Livro”,  vem ao encontro da nossa miopia congénita. Mas (permitam-me) à força de tanto autonomizar e entronizar o “Espírito Santo”, não estaremos a correr o risco de dissecar o Deus Uno e fazer abalar a “indivisível Trindade”? A História é clara sobre os tumultuosos conflitos entre o arianismo e o catolicismo romano, repetidos a propósito da Questão do “Filioque”. Mais ouso adiantar que,  nos termos de uma  Fé esclarecida, quem recebe Deus recebe-o por inteiro e não às prestações. É a partir  do Baptismo que tal doação se concretiza.
Nesta área devocionista, a imaginação popular, com especial incidência na Madeira e desde os primórdios do seu povoamento, achou jeitoso e divertido um estilo muito peculiar, concentrando a homenagem ao Espírito numa campanha de angariação de lucros com acompanhamento folclórico, muito apreciado em certas zonas rurais.
Mas hoje é a apoteose dos espíritos: da amizade, da coerência, da tolerância, da criatividade, a vários níveis, a todos os níveis da produtividade humana. Nesta interpretação (sem prejuízo e respeitando quaisquer outras interpretações) julgo não estar longe da verdade  se disser que o “Mercado Quinhentista” é uma prestimosa e genuína manifestação do espírito. Um Bem-Haja à organização e a todos os participantes.
Anima sana in corpore sano!
Cultivar o Corpo para nele fazer crescer o Espírito! Viva!

09.Jun.19
Martins Júnior

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