Em
tempo de lazer não há tempo para habitar
o tempo lunar do pensamento crítico. É tudo tão volátil, tudo empírico e
descartável, tudo líquido, como classificava Zigmunt Baum a sociedade hodierna.
Por isso, escolhi o óbvio – volátil, empírico e descartável – para o nosso
entretenimento de hoje: o fogo. Não se trata de “brincar” com o fogo”, mas de
vê-lo, ouvi-lo, falar-lhe e senti-lo.
Incontáveis
são as marcas, os rótulos e variedades de fogo.
Há
o fogo que aquece, alumia e constrói. E há-o, que arrasa cordilheiras, esgana
casas e pessoas, pulveriza civilizações.
Há
o fogo que abre clareiras no impenetrável negrume da floresta. E há-o, que
carboniza o chão virgem que espera os nossos passos.
Há
o fogo romântico na mesa redonda de um dia de namorados. E há-o, soturno,
mortiço, no velório do finado da véspera.
Há
o fogo feito de suor e sangue doado em
dádiva gratuita à terra, à história e memória de alguém. E há-o transacionável,
moeda de troca por uma benesse vencida ou vincenda.
Há
o fogo crepitante, vistoso, que desafia as altas nuvens. E também há-o, o “amor-fogo, aquele “que arde sem se ver”, o
de Luís Vaz de Camões, de Petrarca, dos verdadeiros amantes.
O
tamanho das chamas só se o mede pela conta de bem ou de mal que espalham à sua
volta. E a cor do fogo só a vê o nosso olhar-mente e coração. Assim, há o fogo
que canta e o que chora estalando entre a rocha viva, Há o fogo-obra de arte e o fogo bruto e brutal. Há
o fogo puro, imaculado, sem mescla e há o fogo egoísta, utilitário, “dou-te se
me deres”. Há o fogo que dobra círios e almas, mas há um outro que liberta e dá
asas. Finalmente, há o tal fogo forte mas discreto, intimista mas purificante,
em que os protagonistas ‘incendiários’, portadores da luz, diluem-se como
sombras fugazes por entre as chamas. E há, nos antípodas, os ostensivos e ostensórios ‘lucíforos’ que até
se perfilam como os fariseus emproados no templo de Jerusalém.
Aí
fica um breve mostruário dos fogos que povoam o mundo, o nosso pequeno mundo
também. Cada qual poderá catalogar o seu ou os seus fogos, que todos os dias deflagram, perto ou longe. A
questão, porém, quase adivinha, que propus anteriormente cingia-se ao seguinte dilema:
entre os dois fogos que fazem de Machico notícia e visita obrigatória – a Noite
dos Fachos e a “Noite dos Milagres” - qual deles é o mais puro, generoso, altruísta
e transcendente?
Deixo a questão em aberto. A palavra, livremente
expressa ou assumidamente lavrada, a vós pertence. E todas, sem excepção, serão
respostas credíveis e respeitáveis, porque sinceras.
29.Ago.19
Martins Júnior
Texto maravilhoso.
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