Está chegando o dia – para alguns até
já chegou a hora – em que Sua Majestade Carcereiro ‘Convid’ sobraça a chave de
ferro com que fechou portas, portões e pavilhões. “Podem abrir, podem entrar e
sair” é o que fazem os gonzos, à ordem dada, gemendo nos eixos cansados de dois
meses de descanso. Vai começar a aventura da liberdade, bem mais exigente que a
ditadura do confinamento…
Uma das instituições pioneiras neste ‘novo
testamento’ foi a diocese madeirense. Mas, pelos vistos, não obteve sucesso. Os
fregueses não acudiram assim tão asinha à igreja da freguesia. E, se calhar,
até fizeram o jeito e a vontade aos principais da hierarquia que, nas
entrelinhas das instruções fornecidas, preferissem adiar o exercício da
carta de alforria outorgada aos usuais
praticantes da liturgia, a exemplo de Portugal Continental e do que
explicitamente fizeram outros dignitários eclesiásticos, como o cardeal de
Leiria-Fátima e o próprio Papa Francisco em Roma.
Na realidade, analisada a dita “abertura”,
quer a olho nu quer ao microscópio da razoabilidade, toca-se logo com uma
insanável contradição, qual seja a de pretender-se um determinado objectivo e o
seu oposto.
Ouçamos
o badalar do sino da aldeia ou o carrilhão da torre cimeira da catedral. Que é
que ele diz? “Venham cumprir o vosso dever dominical”. Vai a aldeia toda e vai
meia cidade, chegam à porta santa e o que lá está escrito e, mais que isso, o
que está prescrito? “Só cabe um terço da lotação do templo”. Portanto, dois
terços não entram, isto é, são excluídos”. Mas a exclusão é contra a Eucaristia…
Por
isso, o badalo do sino, ao dizer “venham”,
diz no mesmo timbre “Não venham”. A nega
vai sobretudo para quem tem 65 ou mais
anos. Esses, os idosos, são aconselhados, admoestados, quase que intimados a
não participar na assembleia dominical. Por uma boa causa, é certo: a saúde.
Mas não devem entrar. São os excluídos, por terem a ‘má sorte’ de um pai e de
uma mãe que os puseram no mundo “prematuramente”. Seis décadas e meia mais
cedo! No mínimo, isto é violência contra a terceira idade, logo
contra os mais fiéis clientes e praticantes. E a violência é contra a
Eucaristia…
Dentro
do templo, avoluma-se a contradição. Num ambiente em que se prega o espírito de
abertura cristã e de transparência fraterna “diante de Deus e diante dos homens”,
eis que nos deparamos (sobretudo quem preside) com um cenário anómalo, falseado
no seu semblante e, por isso, pesado e antipático. Nos salões mundanos,
dir-se-ia tratar-se de ‘um baile de
máscaras’. Ali, assemelha-se a fantasmas orantes, opacos. Por uma boa causa, é certo. Mas a
opacidade ou a dissimulação (mesmo por uma boa causa) não rimam com Eucaristia…
A
contradição sobe de tom no ar que se respira dentro do templo. O medo. No meio
ecológico onde deve imperar a “liberdade dos filhos de Deus” paira a ameaça do
medo. Medo de quê ou de quem? Do outro, o irmão, o correligionário, o crente
que está ali mesmo. A lei, como um chicote, é peremptória: “Põe a máscara,
afasta-te dele, conserva ao menos dois metros de distância”. Porquê? Porque ele
pode contagiar-te ou, vice-versa, podes contagiar o teu irmão na Fé”. O medo!
Nunca se estará em paz total, nem sequer no paraíso da dúvida que gera o medo.
Isso é contra a Eucaristia…
Para
coroar o paradoxo, tudo termina com o carvão em cima do bolo ou, se quisermos,
uma espécie de polícia sem farda, a “Pide” invisível do vírus que, mal terminada
a cerimónia, nos manda imediatamente para casa. Nada de ajuntamentos na rua,
impossível o convívio semanal entre os vizinhos e não vizinhos que se
encontram, após uma semana de ausência forçada. Ora, a Eucaristia não é como
quem vai ao mercado ou à farmácia, onde o ritual é o “despacha-te e anda”. A verdadeira
Eucaristia dominical começa dentro do templo e continua na comunhão fraterna
fora dele, no adro ou “Átrio dos Povos” da aldeia ou da cidade onde habitam.
Que
pretendo eu com este arrazoado, colhido hoje, ao longo do dia? Acabar com as
celebrações? Fechar as igrejas?... De modo nenhum! A nossa está aberta todo o
dia. O que pretendo, aliás, o que proponho é que se faça uma reflexão séria e
consistente sobre a nova paisagem que trouxe ao mundo o ‘Coronavírus”, o pano
de um novo cenário sócio-económico-cultural que Sua Invisível Majestade veio abrir.
Também (sobretudo, direi) no âmbito religioso, ou seja, na espiritualidade do
Homem do Século XXI. Ou será que os responsáveis verão como um mero acaso o
tufão que apareceu e varreu o planeta, precisamente neste primeiro quartel do século XXI?!
Pelo
muito que este tema tem por contar, remeto para o meu anterior ‘blog’, onde o
grande cientista e teólogo Teilhard de Chardin traça o arco-íris do futuro, a
ponte entre o Deus tradicional da Revelação e o Deus “novo” da Evolução.
E
se o Cristianismo e os seus corifeus não souberem interpretar esta vaga poderosíssima que chegou à “nossa
praia”, aproveitando, enquanto tempo oportuno, a liderança de um Homem, Visionário
do Amanhã, como é Francisco Papa, tenhamos a certeza que a “Barca do Nazareno”
corre o risco de naufragar ou, senão, encalhar entre baixios de museu..
Navegar
é preciso. E reinventar. Como escreveu Antero de Quental, “lançar o arco de uma
nova ponte”. Qual e como? Eis a questão.
E a coragem também!
17.Mai.20
Martins Júnior
Um abraço de 200% de acordo.
ResponderEliminar