sexta-feira, 15 de maio de 2020

“AQUELE MAR DE VELAS QUE CONTAGIA OS NOSSOS SENTIDOS”…


                                                 

Vale um discurso - e mais que um discurso – vale um tratado de teologia “ascética e mística” o lamento, em tom exclamativo, que o jornalista, em directo, debitava desde Fátima na noite de 12 para 13 de Maio de 2020 : “Hoje, já não há aquele mar…”
         E antes que complete o discurso directo, direi que no dentro mais dentro do seu conteúdo assenta, serena e austera, a sombra de um juiz que nos interpela a todos, sobretudo os crentes: ”Que é que aprendeste  com esta pandemia?... Santuários vazios, basílicas órfãs, a Praça de Pedro em Roma e a Cova da Iria, tristemente desertas, as igrejas fechadas, almas sem corpos e corpos sem almas… Que tipos ou  modos de religião queres tu?”…
         O caso não cabe neste curto espaço, nem num manual, nem numa enciclopédia. Por isso, hoje ficar-me-ei, entre inquieto e absorto, como Platão preso à caverna onde  as incógnitas fundamentais perpassam diante de mim como imagens impertinentes que perseguem todo o viandante dos caminhos da existência. Porque, se  algo de novo (ou diverso, ou traumático, ou didáctico e revelador) trouxe ao mundo este “bicho extraterrestre”, desde um novo olhar sobre a vida, a ciência, os costumes, as idiossincrasias, a economia - impõe-se no mais alto e no mais profundo de cada ser pensante esta veemente “chicotada” : “E a Religião não aprendeu nada com isto?... A Igreja não lê nenhum ‘sinal dos tempos’ neste coronavírus que veio abalar o presente e o futuro?... Continuarão ‘analfabetos’ os visionários/mensageiros oficiais da Fé?”…
         Volto ao “mar de velas que contagia os nossos sentidos”.  O cronista de serviço tocou no cerne da questão: O mar, as velas, o contágio e, acima de tudo, os sentidos. Efeito Perfeito! Todos os ingredientes para subir ao sétimo céu da mística pelos degraus ascéticos de um lume etéreo… Fosse numa noite romântica, fosse num concerto de pop-music, fosse numa ‘clausura’ da mais refinada espiritualidade! O cenário é estimulante, excitante, poderoso. Porque sensitivo. Contagia os sentidos.
         Uma religiosidade sensitiva, teimosamente emocional. Ela existe, aliás, sempre existiu. Descreve-a exuberantemente o nosso Eça, quando retrata a psicologia  devotamente doentia da esposa de Afonso da Maia, em Londres:
“A triste senhora continuava a choramingar. O que realmente apetecia era Lisboa, as suas novenas, os santos devotos do seu bairro, as procissões passando num rumor de pachorrenta penitência por tardes de sol e de poeira... Foi necessário calmá-la… Voltaram a Lisboa… a casa tinha um bafio de sacristia; e dos quartos da senhora vinha constantemente, dolente e vago, um rumor de ladainha”…(“Os Maias”).
         É esta a Igreja que queremos, sensitiva, passional, polvilhada de incenso e salpicada pelo mar de pavios acesos?... Continuaremos a tratar Maria, Mãe de Jesus, como “uma senhora que faz favores a baixo custo”? -  palavras corajosas do Papa Francisco em Fátima, no centenário, 2017.
         Persistiremos no pietismo retardatário e, nalguns casos, idolátrico e farisaico de certa linguagem gestual do culto?... Serão as igrejas fechadas o abismo onde a Fé afundar-se-á, como Pedro se sentiu naufragar e a quem, por isso, o Mestre censurou?... Assentará a nossa crença nos rituais sumptuosos da religião-espectáculo?
         Que aprendemos nós com o ‘Convid-19´?...
Se todo o mundo ganhou um novo olhar sobre a realidade, será a Igreja a única a desaprender e a marcar passo? Perderá o Magistério esta oportunidade histórica de purificar a sua visão teológico-escatológica da Fé e do Universo?
         Muitas outras perguntas e, decerto, muitas respostas encontraremos nós, em processo de corajosa maiêutica, sobre o vasto mundo em que mergulham e, tantas vezes, vegetam as nossas crenças. Tenhamos a ousadia de aprofundar o nosso código de valores, supostamente religiosos.
         Cito, entre outras, as “descobertas” do eminente Sábio e Crente Teilhard de Chardin:
“Enquanto – mediante uma Cristologia renovada, cujos elementos estão todos nas nossas mãos – a Igreja não resolver o conflito aparente desde já aberto entre o Deus tradicional da Revelação e o Deus “novo” da Evolução, o Cristianismo diminuirá de sedução e conversão. É sempre o antagonismo entre  um Deus evolutivo Em-Frente e um Deus transcendente Em-Cima que o Cristianismo apresenta à nossa adoração”. (“Ce que le monde attend en ce moment de l’Église de Dieu”- 1952).
Sem nunca terminar, basta apenas perguntar: Quando é que gravaremos de vez no nosso consciente latente activo o que disse o Mestre à Samaritana de Sicar:
“Mulher, afianço-te que nem neste monte nem em Jerusalém se adora o Deus verdadeiro. Porque Ele só aceita adoradores em espírito e verdade”!  (Jo.4, 21-24).
15.Mai.20
Martins Júnior


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