Vale
um discurso - e mais que um discurso – vale um tratado de teologia “ascética e mística”
o lamento, em tom exclamativo, que o jornalista, em directo, debitava desde
Fátima na noite de 12 para 13 de Maio de 2020 : “Hoje, já não há aquele mar…”
E antes que complete o discurso
directo, direi que no dentro mais dentro do seu conteúdo assenta, serena e austera,
a sombra de um juiz que nos interpela a todos, sobretudo os crentes: ”Que é que
aprendeste com esta pandemia?...
Santuários vazios, basílicas órfãs, a Praça de Pedro em Roma e a Cova da Iria,
tristemente desertas, as igrejas fechadas, almas sem corpos e corpos sem almas…
Que tipos ou modos de religião queres tu?”…
O caso não cabe neste curto espaço, nem
num manual, nem numa enciclopédia. Por isso, hoje ficar-me-ei, entre inquieto e
absorto, como Platão preso à caverna onde
as incógnitas fundamentais perpassam diante de mim como imagens impertinentes
que perseguem todo o viandante dos caminhos da existência. Porque, se algo de novo (ou diverso, ou traumático, ou didáctico
e revelador) trouxe ao mundo este “bicho extraterrestre”, desde um novo olhar
sobre a vida, a ciência, os costumes, as idiossincrasias, a economia - impõe-se
no mais alto e no mais profundo de cada ser pensante esta veemente “chicotada” :
“E a Religião não aprendeu nada com isto?... A Igreja não lê nenhum ‘sinal dos
tempos’ neste coronavírus que veio abalar o presente e o futuro?... Continuarão
‘analfabetos’ os visionários/mensageiros oficiais da Fé?”…
Volto ao “mar de velas que contagia os nossos sentidos”. O cronista de serviço tocou no cerne da
questão: O mar, as velas, o contágio e, acima de tudo, os sentidos. Efeito Perfeito!
Todos os ingredientes para subir ao sétimo céu da mística pelos degraus
ascéticos de um lume etéreo… Fosse numa noite romântica, fosse num concerto de pop-music, fosse numa ‘clausura’ da mais
refinada espiritualidade! O cenário é estimulante, excitante, poderoso. Porque
sensitivo. Contagia os sentidos.
Uma religiosidade sensitiva, teimosamente
emocional. Ela existe, aliás, sempre existiu. Descreve-a exuberantemente o
nosso Eça, quando retrata a psicologia devotamente doentia da esposa de Afonso da
Maia, em Londres:
“A triste senhora continuava a
choramingar. O que realmente apetecia era Lisboa, as suas novenas, os santos
devotos do seu bairro, as procissões passando num rumor de pachorrenta
penitência por tardes de sol e de poeira... Foi necessário calmá-la… Voltaram a
Lisboa… a casa tinha um bafio de sacristia; e dos quartos da senhora vinha
constantemente, dolente e vago, um rumor de ladainha”…(“Os
Maias”).
É esta a Igreja que queremos,
sensitiva, passional, polvilhada de incenso e salpicada pelo mar de pavios
acesos?... Continuaremos a tratar Maria, Mãe de Jesus, como “uma senhora que faz favores a baixo custo”?
- palavras corajosas do Papa
Francisco em Fátima, no centenário, 2017.
Persistiremos no pietismo retardatário
e, nalguns casos, idolátrico e farisaico de certa linguagem gestual do culto?...
Serão as igrejas fechadas o abismo onde a Fé afundar-se-á, como Pedro se sentiu
naufragar e a quem, por isso, o Mestre censurou?... Assentará a nossa crença
nos rituais sumptuosos da religião-espectáculo?
Que
aprendemos nós com o ‘Convid-19´?...
Se
todo o mundo ganhou um novo olhar sobre a realidade, será a Igreja a única a
desaprender e a marcar passo? Perderá o Magistério esta oportunidade histórica
de purificar a sua visão teológico-escatológica da Fé e do Universo?
Muitas outras perguntas e, decerto,
muitas respostas encontraremos nós, em processo de corajosa maiêutica, sobre o
vasto mundo em que mergulham e, tantas vezes, vegetam as nossas crenças.
Tenhamos a ousadia de aprofundar o nosso código de valores, supostamente
religiosos.
Cito, entre outras, as “descobertas” do
eminente Sábio e Crente Teilhard de Chardin:
“Enquanto – mediante uma
Cristologia renovada, cujos elementos estão todos nas nossas mãos – a Igreja
não resolver o conflito aparente desde já aberto entre o Deus tradicional da
Revelação e o Deus “novo” da Evolução, o Cristianismo diminuirá de sedução e conversão.
É sempre o antagonismo entre um Deus
evolutivo Em-Frente e um Deus transcendente Em-Cima que o
Cristianismo apresenta à nossa adoração”. (“Ce que le monde attend en ce moment de l’Église de Dieu”-
1952).
Sem
nunca terminar, basta apenas perguntar: Quando é que gravaremos de vez no nosso
consciente latente activo o que disse o Mestre à Samaritana de Sicar:
“Mulher,
afianço-te que nem neste monte nem em Jerusalém se adora o Deus verdadeiro. Porque
Ele só aceita adoradores em espírito e verdade”! (Jo.4, 21-24).
15.Mai.20
Martins Júnior
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