Hoje,
sábado, véspera de todos os dias!
Porque
todos os dias são dias de subir e de transpor. Não só no Domingo da Ascensão,
que está mesmo à porta, mas em toda a hora, em todo o mês e em todo o ano:
ascender, buscar mais alto e mais além, se
possível tocar as franjas do infinito. Por isso, a tradição fixou em letras de
oiro a “Quinta-Feira da Ascensão” (transitada
agora para o Domingo) mas ainda assinalada como feriado em certos países da
Europa. Dia de profunda densidade psico-religiosa, pois que se trata de um
momento intensamente caro à condição humana, pleno de vivência e dramatismo: uma despedida –
despedida para sempre! O Padre António Vieira dedica-lhe um dos seus discursos,
proclamado na igreja de São Julião, em Lisboa. Emociona-se, relevando o
qualitativo litúrgico de “Admirabilem Ascensionem
tuam” , a que adiciona a retórica nostalgia que a partida do Mestre deixou
no (des)ânimo dos discípulos: a Ascensão de Jesus foi como
“ desandar o que tinha andado, desfazer o que tinha feito, desamar o que
tinha amado”.
Por
mais extasiante e mística que seja aquela hora do adeus, tanto para aqueles que
“Ele amara até ao fim,” como para o “Imperador da Língua Portuguesa” e para nós
que o lemos, escolhi como ‘aperitivo e sobremesa’ deste fim-de-semana a última
cena do relato bíblico: Após a Ascensão e estando os discípulos com os olhos postos
sempre nas nuvens, “apareceram dois homens vestidos de branco que lhes
disseram: Homens da Galileia! Por que
razão continuais vós aqui parados e ainda de olhos no alto?... Ide embora para
Jerusalém!” … (Act.1,11-12). Então eles deixaram o Monte das Oliveiras e voltaram
para Jerusalém”.
Aí recomeçou
a grande marcha, a
incisiva revolução pacífica do Mestre. Sem Ele… Embora lhes fosse dito, na
despedida, “Não vos deixarei órfãos… Eu estarei convosco até ao
fim dos tempos”, imaginamos o vazio daquela separação e, ainda mais dura, a
sensação de impotência e de pavor daqueles homens frágeis, iletrados, perante a
magnitude de uma “missão impossível”!
Agora, chegara a sua vez, a sua hora! Não na exclusiva contemplação do seu
Mestre e Líder, mas na acção inclusiva e abrangente como Ele bem protagonizara.
É
neste binómio – de um outro e firme betão ciclópico – que assenta a Ponte que o
Nazareno veio trazer ao mundo. Contemplação e Acção! Muitos equívocos se têm
cimentado e deformado, ao longo de séculos na história da Igreja. É assunto
visto e revisto – fiado e desfiado -- mas que persiste, como cardume de enguias
nas entranhas da instituição, desde os mais pesados baixios até aos mais leves
calhaus deste “Mar da Galileia” que é a cristandade. Nem sequer me ocupo em demonstrar,
de tão evidente, a tendência armadilhada de transformar a Fé num cardápio de
manjares celestiais onde superabundam receitas de “alecrim e manjerona” entre
mãos enclavinhadas, mas onde faltam e fenecem as atitudes cristalinas e
frontais do Mestre, demonstrativas da coragem e da coerência com o Projecto
Renovador do Evangelho.
Cito
apenas dois momentos. O primeiro vem na biografia do Bispo Manuel Vieira Pinto
-- um grosso volume onde o Prof. Pe Anselmo Borges coligiu muitas das
homilias do então Bispo de Nampula. Enviado para Moçambique em 1967 (o mesmo
ano em que fui eu mandado para a guerra colonial…), caíu-lhe em cima a ‘metralha’
do colonialismo fascista de Lisboa, tendo sido de lá expulso, pouco antes do “25 de Abril de 74”.
Voltou à sua diocese após a Revolução dos Cravos e foram muitos os encontros do
Bispo Vieira Pinto com o Presidente Samora Machel. Num desses encontros, sempre
reivindicativos em prol da valorização dos moçambicanos, o Presidente Machel ‘atira-lhe’ com esta
provocação:”
“Porque
é que tu, que és Bispo, quando vens falar comigo, nunca me falas de Deus e da
religião, mas do povo, da defesa dos seus direitos e da sua dignidade?”.
Resposta imediata do Bispo: “Porque um deus que precisasse da minha defesa
seria um deus que não é Deus. Deus não precisa que O defendam. O Homem sim”.
Tradução
esta, a mais fiel, do Dia da Ascenção. A verdadeira. Elevar, defender a Pessoa,
coroa da criação!
A
confirmar a trajectória do programa ascensional de uma Fé genuína, termino com o pensamento do Grande
Frei Beto, autêntico bandeirante revolucionário, por quem tive a honra de ser recebido, em 1972:
“É
interessante constatar que grandes místicos foram simultaneamente pessoas
mergulhadas na efervescência política de sua época. Francisco de Assis
questionou o capitalismo nascente. Tomás de Aquino defendeu, em O Regime dos Príncipes, o direito da
insurreição contra a tirania. Catarina de Sena, analfabeta, interpelou o
Papado. Teresa de Ávila – ‘mulher inquieta,
errante, desobediente e contumaz’, como a qualificou D. Felipe Sega, núncio
papal em Espanha, 1578 – ela revolucionou a espiritualidade cristã” (A Mosca Azul, 2008).
Homens
da Galileia, por que ficais assim embasbacados, ostensivamente, farisaicamente
orantes?... Homens da Galileia, Homens de Hoje, senhorios das Igrejas, sejam
elas quais forem! Em tempo de pandemia, assusta-me o ardor pró-neurótico que
tem invadido os templos, (até entre nós) relegando o altar para uma espécie de banca
milagrosa, a baixo-custo. Até Trump, insensato promotor da falência da
saúde americana, até ele já manda abrir as igrejas…para acudir ao Covid!
Bem
hajam os Homens Bons, ao lado do Papa Francisco que quer as vestes dos pastores
cheirando ao bafo do rebanho!
Hoje
e Sempre, Dia de subir. Porque descer à terra e à vida, mergulhar para salvar é
o melhor e mais directo GPS para chegar às Alturas. Per angusta ad Augusta!
23.Mai20
Martins Júnior
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