domingo, 17 de maio de 2020

“ABERTURAS” COM O MEDO NO BURACO DAS “FECHADURAS”…


                                                            

        Está chegando o dia – para alguns até já chegou a hora – em que Sua Majestade Carcereiro ‘Convid’ sobraça a chave de ferro com que fechou portas, portões e pavilhões. “Podem abrir, podem entrar e sair” é o que fazem os gonzos, à ordem dada, gemendo nos eixos cansados de dois meses de descanso. Vai começar a aventura da liberdade, bem mais exigente que a ditadura do confinamento…
         Uma das instituições pioneiras neste ‘novo testamento’ foi a diocese madeirense. Mas, pelos vistos, não obteve sucesso. Os fregueses não acudiram assim tão asinha à igreja da freguesia. E, se calhar, até fizeram o jeito e a vontade aos principais da hierarquia que, nas entrelinhas das instruções fornecidas, preferissem adiar o exercício da carta  de alforria outorgada aos usuais praticantes da liturgia, a exemplo de Portugal Continental e do que explicitamente fizeram outros dignitários eclesiásticos, como o cardeal de Leiria-Fátima e o próprio Papa Francisco em Roma.
         Na realidade, analisada a dita “abertura”, quer a olho nu quer ao microscópio da razoabilidade, toca-se logo com uma insanável contradição, qual seja a de pretender-se um determinado objectivo e o seu oposto.
Ouçamos o badalar do sino da aldeia ou o carrilhão da torre cimeira da catedral. Que é que ele diz? “Venham cumprir o vosso dever dominical”. Vai a aldeia toda e vai meia cidade, chegam à porta santa e o que lá está escrito e, mais que isso, o que está prescrito? “Só cabe um terço da lotação do templo”. Portanto, dois terços não entram, isto é, são excluídos”. Mas a exclusão é contra a Eucaristia…
Por isso, o badalo do sino, ao dizer  “venham”, diz no mesmo timbre “Não venham”.  A nega vai sobretudo para quem tem 65  ou mais anos. Esses, os idosos, são aconselhados, admoestados, quase que intimados a não participar na assembleia dominical. Por uma boa causa, é certo: a saúde. Mas não devem entrar. São os excluídos, por terem a ‘má sorte’ de um pai e de uma mãe que os puseram no mundo “prematuramente”. Seis décadas e meia mais cedo!  No mínimo,  isto é violência contra a terceira idade, logo contra os mais fiéis clientes e praticantes. E a violência é contra a Eucaristia…
Dentro do templo, avoluma-se a contradição. Num ambiente em que se prega o espírito de abertura cristã e de transparência fraterna “diante de Deus e diante dos homens”, eis que nos deparamos (sobretudo quem preside) com um cenário anómalo, falseado no seu semblante e, por isso, pesado e antipático. Nos salões mundanos, dir-se-ia  tratar-se de ‘um baile de máscaras’. Ali, assemelha-se a fantasmas orantes,  opacos. Por uma boa causa, é certo. Mas a opacidade ou a dissimulação (mesmo por uma boa causa) não rimam com Eucaristia…
A contradição sobe de tom no ar que se respira dentro do templo. O medo. No meio ecológico onde deve imperar a “liberdade dos filhos de Deus” paira a ameaça do medo. Medo de quê ou de quem? Do outro, o irmão, o correligionário, o crente que está ali mesmo. A lei, como um chicote, é peremptória: “Põe a máscara, afasta-te dele, conserva ao menos dois metros de distância”. Porquê? Porque ele pode contagiar-te ou, vice-versa, podes contagiar o teu irmão na Fé”. O medo! Nunca se estará em paz total, nem sequer no paraíso da dúvida que gera o medo. Isso é contra a Eucaristia…
Para coroar o paradoxo, tudo termina com o carvão em cima do bolo ou, se quisermos, uma espécie de polícia sem farda, a “Pide” invisível do vírus que, mal terminada a cerimónia, nos manda imediatamente para casa. Nada de ajuntamentos na rua, impossível o convívio semanal entre os vizinhos e não vizinhos que se encontram, após uma semana de ausência forçada. Ora, a Eucaristia não é como quem vai ao mercado ou à farmácia, onde o ritual é  o “despacha-te e anda”. A verdadeira Eucaristia dominical começa dentro do templo e continua na comunhão fraterna fora dele, no adro ou “Átrio dos Povos” da aldeia ou da cidade onde habitam.
Que pretendo eu com este arrazoado, colhido hoje, ao longo do dia? Acabar com as celebrações? Fechar as igrejas?... De modo nenhum! A nossa está aberta todo o dia. O que pretendo, aliás, o que proponho é que se faça uma reflexão séria e consistente sobre a nova paisagem que trouxe ao mundo o ‘Coronavírus”, o pano de um novo cenário sócio-económico-cultural que Sua Invisível Majestade veio abrir. Também (sobretudo, direi) no âmbito religioso, ou seja, na espiritualidade do Homem do Século XXI. Ou será que os responsáveis verão como um mero acaso o tufão que apareceu e varreu o planeta, precisamente  neste primeiro quartel do século XXI?!
Pelo muito que este tema tem por contar, remeto para o meu anterior ‘blog’, onde o grande cientista e teólogo Teilhard de Chardin traça o arco-íris do futuro, a ponte entre o Deus tradicional da Revelação e o Deus “novo” da Evolução.
E se o Cristianismo e os seus corifeus não souberem interpretar  esta vaga poderosíssima que chegou à “nossa praia”, aproveitando, enquanto tempo oportuno, a liderança de um Homem, Visionário do Amanhã, como é Francisco Papa, tenhamos a certeza que a “Barca do Nazareno” corre o risco de naufragar ou, senão, encalhar entre  baixios de museu..
Navegar é preciso. E reinventar. Como escreveu Antero de Quental, “lançar o arco de uma nova ponte”.  Qual e como? Eis a questão. E a coragem também!

17.Mai.20
Martins Júnior
  

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