E viva a festa!... 
A marcha é liiiinnnnnda!...
Olha o balão! Venha mais  cor e mais tambor, soltem balões ou balonas,
seja pelo Santo António, seja pelo São João, seja pelo São Pedro! O que
interessa é que haja marcha, sardinha assada, sangria caseira, pão de trigo da
terra. E vozes, muitas vozes, afinadas, esganiçadas, soltadas dos pulmões e dos
corpetes das folclóricas raparigas, desfraldando a liberdade na grande avenida
em Lisboa, ou nas ruelas do santo na Madeira e em todos os santantoninhos que
há no mundo português. E se não for pelo santinho, que seja por Vénus, Júpiter
e Baco, pelo brinquinho ou pela massaroca. O que importa é unir o povo, novos e
velhos, moçoilas e rapagões, exorcizando com o missal de rua e por um dia, ao
menos,  os pesadelos forrados na pele, as
depressões que saem das grades sem pulseira nem polícia. 
É o mês dos santos
populares. Vibro e salto para a marcha, 
saúdo toda essa euforia sem preço de que tanto precisamos. Mas soa-me
sempre ao ouvido “esta frase batida”: Populares estes santinhos, porquê? E
como? Quem abriu a cabeça ao povo para meter-lhe tanta simpatia, tanta
popularidade a 1.000% pelos santinhos de junho? 
E aqui volto atrás,
sento-me, rebobino o filme e já não me apetece apanhar os marchantes sem responder-me
a essas perguntas. Ah, é o Santo António, o que tem o GPS para encontrar os
perdidos e achados, o engraçadinho de menino ao colo, o caçador dos namoricos
furtivos, o santo casamenteiro… E agora é que não me dá mesmo nada alinhar
nessa alienação das massas, à conta do santo. Nem do São João nem do São Pedro,
que nada têm a ver com foguetes e balões. Mas então, a popularidade trimilenária
 dos “festeiros”?
Falando claro,
confrange-me topar e tocar o vazio de mentalidades avulsas que nada sabem dos
homenageados da noite. António de Lisboa, o sábio do pensamento, não apenas
bíblico, o mestre das humanidades, o acérrimo “opositor aos usurários, à prisão
por dívidas, o defensor do proletariado” (leio no devocionário litúrgico que
uso há mais de 50 anos)., E ainda: o inigualável cultor da eloquência do verbo,
quer em Lisboa, quer em França, quer em Pádua. 
Bem  lhe acertou o nome, cinco
séculos mais tarde, ao “Príncipe da Língua Portuguesa”, o Padre António Vieira
que,  tal como este, teve de abandonar a
sua pátria para dar testemunho da Palavra no estrangeiro, mais precisamente em
Itália. Volta, António de Lisboa, vem bradar aos usurários do século XXI, do
FMI, do BCE e outros que tais, contra a sofreguidão dos magnatas desta “economia
que mata” os povos do sul, os de aquém e além-mar!
Que sabem disto os
ingénuos e sinceros foliões das marchas? Que entendem por António de Lisboa ou
de Pádua os devotos de “círio de altura” na mão, tamanho mínimo comparado com a
monstruosa pantominice que os pregadores lhes ditam do alto dos púlpitos neste
dia, engrolando lendas milagreiras para tapar a portentosa fisionomia do grande
protótipo da Sabedoria e da Coerência?!
Mas então deve riscar o
preâmbulo-supra --- dir-me-eis vós. Eu digo que não. Continuem a folgar, não
desistam de gatinhar versos como demónio, toca o harmónio, viva o pandemónio,
tudo fixe desde que rimem com Santo António.
Mas… eu não esqueço a
cantiga que o Estado Novo nos obrigava a decorar na escola : ”Lá vamos cantando
e rindo, levados, levados sim…”, a que os parodiantes do teatro de revista
acrescentavam “lá vamos pagando e rindo”. Ai, a força e a convicção com
que nós, pobres crianças cantávamos, sem saber, 
a própria sentença de condenados à miséria! Não esqueço a (melhor  desqualificativo não acho) “safada”
exploração da mentalidade popular quando, antes do 25 de Abril, o fascismo
incentivava o povo a construir  palhaços
no 1º de Maio, o “saltar à laje”, para encobrir aos portugueses a gloriosa e
dolorosa luta dos trabalhadores pelos seus direitos. 
MORAL DA HISTÓRIA: haja
festa e diversão, a pretexto dos Santos Populares, mas não se perca de vista a
sua essência, a histórica estatura humana, intelectual e operacional dos
Homenageados.
Termino, em “Post-Scriptum”, cedendo lugar à lenda
transformada em poética beleza de Augusto Gil no  seu tão pitoresco e bucólico Passeio de Santo António, que o meu
amigo Alexandre tão bem sabe recitar, como ontem o fez em Sesimbra e aqui, em
Machico, nos nossos saraus de outrora:
13.Junho.2015
Martins Júnior
___________________________________
PASSEIO
DE SANTO ANTÓNIO
Saíra Santo António do convento, 
A dar o seu passeio costumado
E a decorar, num tom rezado e lento, 
Um cândido sermão sobre o pecado. 
.
Andando, andando sempre, repetia
Andando, andando sempre, repetia
O divino sermão piedoso e brando, 
E nem notou que a tarde esmorecia, 
Que vinha a noite plácida baixando…
E andando, andando, viu-se num outeiro,
Com árvores e casas espalhadas, 
Que ficava distante do mosteiro
Uma légua das fartas, das puxadas. 
Surpreendido por se ver tão longe, 
E fraco por haver andado tanto, 
Sentou-se a descansar o bom do monge, 
Com a resignação de quem é santo…
.
O luar, um luar claríssimo nasceu. 
Num raio dessa linda claridade, 
O Menino Jesus baixou do céu, 
Pôs-se a brincar com o capuz do frade. 
.
Perto, uma bica de água murmurante
Juntava o seu murmúrio ao dos pinhais. 
Os rouxinóis ouviam-se distante. 
O luar, mais alto, iluminava mais. 
.
De braço dado, para a fonte, vinha
Um par de noivos todo satisfeito. 
Ela trazia ao ombro a cantarinha, 
Ele trazia… o coração no peito. 
.
Sem suspeitarem de que alguém os visse, 
Trocaram beijos ao luar tranquilo. 
O Menino, porém, ouviu e disse: 
- Ó Frei António, o que foi aquilo?… 
.
O Santo, erguendo a manga de burel
Para tapar o noivo e a namorada, 
Mentiu numa voz doce como o mel:
- Não sei o que fosse. Eu cá não ouvi nada…
Uma risada límpida, sonora, 
Vibrou em notas de oiro no caminho. 
- Ouviste, Frei António? Ouviste agora? 
- Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho. 
.
- Tu não estás com a cabeça boa…
Um passarinho a cantar assim!… 
E o pobre Santo António de Lisboa
Calou-se embaraçado, mas por fim, 
Corado como as vestes dos cardeais, 
Achou esta saída redentora: 
- Se o Menino Jesus pergunta mais, 
… Queixo-me à sua mãe, Nossa Senhora! 
Voltando-lhe a carinha contra a luz
E contra aquele amor sem casamento, 
Pegou-lhe ao colo e acrescentou: - Jesus, 
São horas… 
........................E abalaram pró
convento.
Augusto Gil


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