Foi
ontem mesmo. E eu não posso conter a alma escaldante que, durante uma hora
cheia,  dois talentosos protagonistas – Bruno Esteves e Rui Pinheiro - abriram, cavaram, dilaceraram, sacudiram
 e, por fim, libertaram o espírito e a
sensibilidade de quantos ali se encontravam.
Aconteceu
teatro, ouro do mais fino quilate em terras de Tristão Vaz.
O
título  sintético – “OPUS” – define a profundidade e a extensão da grande Aventura
Cósmica urdida e guardada no punho da uma mão fechada, umas vezes em assombros
de eloquência, outras de forma hermética e outras, ainda, povoada de um humor
quase negro, a roçar o blasfemo. Um trabalho  similar ao de Hércules, da mitologia grega,  ou ao de um Sansão, no texto bíblico! Partilho
convosco esta interpretação da “OPUS”.
O guião abarca, em toda a sua latitude, a história  do momento decisivo da Criação, o turbilhão
tempestuoso do percurso do Homem dentro da Obra criada  (“Opus”)   – o passado,
o presente e o futuro -  num entrosamento
denso, mas subtilmente comunicativo, que exige do espectador uma intuição
expectante, uma cumplicidade alucinante que nem é possível tracejar a
respiração.
Tudo
isto num cenário possessivo, sem adereços nem especial guarda-fato, pelo
contrário com duas peças, apenas, de vestuário exterior, as mesmas desde a
primeira à última cena, enfim, uma economia de motivos e, ao mesmo tempo, uma
transfiguração  repentina, quase absurda,
da mesma indumentária, arrastando a plateia para os muitos planos imaginários para
onde os protagonistas nos querem transportar.
Ideologicamente,
a “OPUS” é a denúncia do sufoco tumular em que a humanidade transformou a
sublime epopeia da Criação, ao ponto de arrepender-se o próprio  Criador de ter accionado o Big-Bang
originário de todos as galáxias, de todos os planetas, sobretudo o planeta
Terra, com tudo o que ele contém. O epílogo tremendo, expresso no paroxismo da
pergunta final com que termina a “OPUS”, resume o suplício sem retorno da
Divindade, perante o desconcerto que os homens fizeram de um mundo harmonioso. E
a pergunta, arrasadora como um ferro em brasa, é esta: “Tudo o que sucedeu foi por Minha culpa ou foi por vossa néscia culpa”?
Nesta
interpelação que, por vezes tem assomos de veemente imprecação e libelo
acusatório, estão envolvidos os governantes,  os eclesiásticos, o Vaticano e os
capitalistas, para quem “Deus é o dinheiro”, todos os sabotadores do verdadeiro
progresso. Mas o grito avassalador daquela apóstrofe sobe de tom e amarra-nos
ao poste, quando o “Criador” desce do palco e aponta,  junto de  nós, espectadores: “E não terá sido pela tua
própria culpa, pela tua acção, omissão e pelo teu silêncio”?!
Respigo,
de cor, algumas dessas corrosivas acusações: “O número dos mortos assassinados
em Meu Nome, nas Cruzadas, ultrapassa o dos Kmmer’s vermelhos e do “holocausto” ... “Achas que a Inquisição acabou?
Não. Apenas mudou de pele”… “A heresia de hoje pode ser a ortodoxia de amanhã” …
Estremecedora e genialmente bem conseguida  é a cena da  crucifixão do Filho, quando entra em palco o
agente de seguros e oferece-se para fazer um seguro de vida ao Crucificado, “com
direito a ressurreição garantida e a oferta de um sudário com a imagem do morto”…  Medonho e acusativo! Até com o Crucificado
fazem negócio.
O
historiador e latinista  Paul Vyne, a
propósito da reedição das obras do filósofo Platão e do poeta épico Virgílio,
recomenda-os à nossa leitura, com este cartão de sábio: “Os clássicos ensinam a
fazermos perguntas a nós próprios”.
O
mesmo pode, seguramente, afiançar-se da magnífica obra “OPUS”.  Nota máxima para o grupo cénico de Idanha-a-Nova!
23.Out.16
Martins Júnior

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