Além do Presente, há um Passado e um Futuro.  Para não nos perdermos na voragem do Presente
incerto, é preciso reactivar o Canal da Memória e ver ao redor,  navegar o Passado,  de olhos postos na bandeira presa à âncora
segura - sempre a Memória – que nos salva das ondas revoltas.
Pensamento este, que me acompanha desde Domingo, tem a ver com o “23 de
Fevereiro”,  todos os anos lembrado,
cantado, ressuscitado, desde 1987, quando JOSÉ AFONSO nos deixou. 
         Os
trepidantes abalos públicos – desde ameaças americanas, trocas de reféns prisioneiros
em Gaza e Telavive, graves morbilidades papais, corrupções nacionais – em meio
do turbilhão eclipsou-se a evocação gloriosa do Cantor da Liberdade, Precursor
do “25 de Abril”. Não que ele precise ou espere homenagens. Ainda em vida
rejeitou-as, homenagens, medalhas e condecorações. Nós é que precisamos dele. O
mundo precisa dele, da sua voz, da sua mensagem libertadora.
         Eu
não esqueci. E comigo, todos quantos almejam o mundo que ele sonhou, onde todos
possamos respirar e cantar. Por isso, nesta semana que é sua, recorro à âncora
da  Memória e deixo aqui os sentimentos
que outrora vivi junto à sua campa rasa,  em 23 de Fevereiro de 2017. 
         25-27.Fev.2025
         Martins
Júnior
               
Nem mausoléu nem flores 
Nem mesmo campa rasa 
Nem tubas nem tambores 
Não me tragam rosas bem-me-queres 
Porque eu não estou aqui 
Nunca foi esta a minha casa 
Vagueio errante mas não errado 
E estou sempre onde estiveres 
Do outro lado 
Onde o sol corta a vidraça negra opaca 
Dos humanos covis 
Eu estou em ti 
Tu és o meu país 
Que desbravo e cavo 
Para encontrar 
Vermelho como um cravo 
O corpo morto do meu povo cativo 
Se o trouxeres quente redivivo 
Eu estou lá 
E levas-me contigo 
Sem medo e ‘maior que o pensamento’ 
porque és tu aquele amigo 
Que eu chamo a cada momento 
Sou eu que te procuro 
E pego no teu braço 
Para esconjurar o fosso escuro 
Dos tarrafais fechados nas ruas 
Nas fábricas nos montes nos rios a-céu-aberto 
No casebre ou na vivenda onde tu moras 
Se avisares a ‘malta do que faz falta’ 
Se afrontares os ‘vampiros’ de todas as horas 
A tua voz será mais alta 
Que as mais sonoras 
Baladas ‘verde maio verde milho’ 
Deste migrante ‘andarilho’ 
Não me tragam mais troféus 
Nem me lembrem mais os pides as prisões 
Nem palmas nem medalhões
Porque eu ando por aí 
Em tudo o que canta 
Em tudo o que clama 
Em tudo o que se alevanta 
E olhando o sol sorri 
Eu não morri 
Porque vivo em ti

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