Vi-o
descer, em cordas, àquela ‘enxerga’ sem retorno. Desciam com ele também os meus
olhos baços.
Ele
não era tão jovem para viver nem tão velho para morrer. Não me contive, então, que não dissesse mais por dentro que por fora:
Que mágoa esta!... que nos deixa gelados… que nos aguça a revolta… que nos sepulta
e nos emerge na mesma hora!... Que mágoa a deste corpo, quando recém-nascido, inundou de alegria a nossa mãe… deste corpo
que reinventou caminhos nunca antes
desenhados… que lutou contra ventos e marés… que se desfez e refez em tsunamis de amor… e agora desce impotente, ignoto entre os
anónimos de cada instante…
Vim
para casa e abri, ao acaso, as folhas soltas dos herdeiros de Juno. Logo à
porta Camilo Castelo Branco (1-1890), no primeiro corredor Franz Kafka (3-1924).
Na alcova das parturientes sinto os vagidos Garcia Lorca (5-1898), as pupilas
coloridas de Gauguin (7-1848) e o sonho febril de Charles Dickens (9-1812).
Lado a lado (os séculos são dias…) enquanto agonizava abandonado o génio de
Camões (10-1580), outro génio nascia, o de Pessoa (13-1888) e em 15-1970
pintava a última tela Almada Negreiros. Entre os herdeiros de Juno, surgia Adam
Smidt (16-1723) e Saramago entrava no fatídico ‘Convento das Memórias’
(18-2010). Muito antes, mas também filhos de Juno, Blaise Pascal trazia da
vulva da mãe a promessa de Les Pensées (19-1623) e na noite da servidão brilhava
no berço de Nuno Álvares Pereira a
armadura da libertação (24-1360). Reservadas para coroa real dos dias de Junho
estavam em lista de espera os horizontes matinais de George Orwell (25-1903),
de Jean Jacques Rousseau (28-1712) e do Petit
Prince Antoine de Saint-Exupéry (29-1900). Desde tempos imemoriais, António
de Lisboa, João Baptista e Pedro e Paulo emolduraram a silhueta do mês sexto!
Enquanto
o fosso inerte engolia o corpo do meu amigo – nem tão jovem nem tão velho – inundava-me
até aos ossos o oceano cinzento de todos os corpos que habitaram a mansão de
Junho.
Soprei
então as cinzas seculares e um braseiro intenso iluminou-me a fronte, sacudiu-me
todo. Da sarça ardente, como a do Monte Sinai, saía a voz de todos os tempos: “Morrer
é só deixar de ser visto”.
A
voz tornou-se grito em linha recta, atou-me à cintura e catapultou-me ao
infinito, envolto nesta mortalha de linho doce: Deixa que caia a luva do teu
corpo, porque mais alto fica a epopeia das tuas mãos!
25.Jun.21
Martins
Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário