quarta-feira, 23 de junho de 2021

O MÊS DOS TRÊS “SSS” – SANTOS, SÉS E SARDINHA ASSADA

                                                                         


Grande poeta é o povo, já diz o velho rifão. E eu acrescento: Grande beato e Grande pândego é o povo!

         Diverte-nos até à náusea  o exercício de subir até ao pico alto  destes dias monótonos, alongar a vista e monitorizar os impulsos deste formigueiro ambulante em que todos nós também estamos metidos como voluntários-à-força.

         Com ou sem pandemia, o povo reedita a trilogia clássica da “velha senhora”, os três famosos “FFF” – Futebol, Fátima e Fado – tão colados aos genes do ‘puro sangue lusitano’. Com o macroclima pandémico, porém, ganharam novas estirpes e outras variantes, transmutadas que estão para novas formas, revistas e actualizadas: os “SSS”.

         É da ironia dos tempos modernos que eles nos falam. E de que me ocupo também neste entalho. Começando pelos “Santos”, está bem patente que eles mudaram de nome, de farda e de casa. Hoje, os carismáticos, os heróis, os mártires (alguns até já lhes aconteceu caírem mortos no próprio local de trabalho) numa palavra, os novos ‘santos’ já não estão nos altares, mudos, extáticos, amarrados, à espera de jaculatórias e óbolos pios. Não, hoje eles correm, saltam como saltimbancos, agridem, vociferam e, em vez de orações, rebentam-lhes em cima as paranoias dos crentes, as imprecações

e as ameaças mais absurdas a-céu-aberto. Em vez de túnicas, enfiam calções nas pernas nuas suportadas por chuteiras e pitões. A casa deles é uma outra, de linhas majestosas, aerodinâmicas. As novas sés catedrais e as novas basílicas estão nos estádios de futebol. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”…

         Os velhos Santos também têm assento na “faena”  agitada do grande teatro do mundo. Mas ficam nos bastidores. Quando lhes sai o nome da cartola do “compère”, eles não entram nem falam. Quem entra às cambalhotas e fala e canta e ri até à exaustão é a ‘rainha santa’, a sardinha, é o fogareiro, é o garrafão e… Viv’ó Santantónio, viv’ó San João e venha  o San Pedro para a reinação!... O cómico de toda esta rodada pegada é que nenhum deles aparece e deles ninguém fala. Quem exalta a eloquência de António de Lisboa, quem releva a verticalidade austera do Baptista ou quem se comove com a auto-crítica e o humanismo do Pescador da Galileia?!

          No ADN da nossa civilização cristã e ocidental, a beatice fica por sacralizar se não chegar a pândega a acolitá-la. E logo salta o código da boa vizinhança: a beatice beatifica a pândega.

         Sem pretensões de moralizar os costumes, está visto que o povo precisa de episódios pretextuais para divertir-se. E lá vêm os Santos. Ai que este ano não houve Santo António, ai que não há São João e o São Pedro – gemem e protestam os arraialeiros. Pois bem, ouso comentar assim essas lamúrias: Tal como os foliões estão-se borrifando para a identidade factual dos Santos, assim também os Santos estão-se borrifando para os arraiais que abusivamente se apropriam dos seus nomes.

         Nesta linha de pensamento, acho melhor que se autonomizem essas festas e se tratem pelo seu verdeiro nome: Festa dos bairros de Lisboa, Festa da sardinha assada ou dos martelinhos, Festa das gentes do mar ou afins. Ganharia mais músculo e autenticidade cada festival em seu lugar

         Em nota de rodapé, permitam-me associar a estas efemérides a evocação de São Tiago Menor, Patrono do Funchal. Mais genuínas ficariam  as comemorações seculares, ora em curso, se não fossem consignadas apenas ao hipotético ‘milagre’ contra a epidemia que assolou a capital madeirense no século XVI.  Assinalando com elevada consideração os textos já publicados, entendo que a personalidade de São Tiago Menor e a sua doutrina social transcendem incomensuravelmente os formulários estereotipados das ditas comemorações.        

              

23.Jun.21

Martins Júnior

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