sexta-feira, 23 de julho de 2021

GRANDEZAS E MISÉRIAS DA VELHA AUTONOMIA: CONFISSÕES DE UM ROMÂNTICO COMPULSIVO

                                                                             


 

Deram-me as prosaicas musas esta inspiração de fazer associar a Autonomia ao mês do “ditador perpétuo”  Júlio César, o imperador romano que deu nome a Julho, o sétimo do ano. Estranha e contraditória coincidência, uma vez que, desde a nascença, Autonomia opõe-se à ditadura. Não terá sido por mero acaso que o “ditador perpétuo” morreu, na  própria assembleia do plenário do Senado,  às mãos dos representantes do Povo Romano, os senadores.

Através de provas e testemunhos presenciais deixei manifesto em escritos anteriores que as ambições autonómicas, com que os quarentões (quase cinquentões) detentores do poder pretendem entorpecer as populações, redundam em opulência de domínio sobre as mesmas populações. E do que vi e ainda vejo na minha ilha mantenho a amarga conclusão do último blog: Quanto mais autonomia para eles, menos Autonomia para o Povo! Assim se constroem as ditaduras. Basta pensar no sargento Hitler…

Então qual a solução? Quem a tem? E Onde e Quando e Como?

Longo percurso – ars longa vita brevis – que atravessa gerações! Já o vaticinara o DR.Fausto,  de Goethe. Porque, no Palácio da Autonomia, a chave de entrada e de saída está ao alcance dos seus constituintes, o Povo. Está na mão do Povo: Onde e Quando o Povo quiser. É aqui que brilha como estrela polar da história aquela inscrição de identidade sociológica: “Cada Povo tem o governo (o país, a região, a cidade, a aldeia) que merece”.

No prolongado itinerário pelo parlamento regional, quantas e tantas vezes balbuciava eu dentro do peito esta sentida petição: “Quem dera que estivessem naquela galeria as pessoas que votaram nesta gente”! Se vissem  ‘representantes seus’ repudiarem, amarfanharem, esmagarem propostas válidas, promotoras da civilização e da Autonomia de todos os madeirenses, sobretudo dos mais abandonados, aí abririam os olhos e poriam ordem na Casa. Aí, os ditos ‘autonomistas’ aprenderiam o Código da genuína Autonomia!

Mas não é fácil – com um misto de vergonha e maior  decepção o digo. Também sonhei com o poder efectivo  e vigilante do Povo, não apenas na urna do voto, mas na trajectória do seu exercício real, através dos eleitos. Mais: entendia eu, então, que não era aos segregados, às élites, aos diplomados, aos capitalistas que deveria ser entregue a defesa dos ‘humilhados e ofendidos’ da sociedade, os proletários e excluídos. Deveriam ser eles próprios, as classes trabalhadoras o ocupar o seu lugar na Tribuna do parlamento e à mesa do Orçamento.

Disse-o publicamente e cumpri. Eleito em 1976, (corria este mesmo mês de Julho) mantive-me como deputado durante três meses, após a sanha obstrutiva da maioria-que-esmaga. De seguida, cumpri a palavra: cedi o lugar a um operário da construção civil. Não entro em pormenores identificativos, por serem demasiado esclarecedores. Vou ao essencial, que é o que, até hoje, faz-me corar de desgosto e quase-vergonha: passados os quatro anos de mandato, o operário-deputado já era o líder local do partido, meu arqui-inimigo!... Explicações?! O homem era pobre, de poucas letras e de poucas lides. Do outro lado, imaginem. Recorro à ‘Velha Senhora’ de Francis Durrematt: “Compra-se tudo”!

Mas o poder de compra dos ditos ‘autonomistas’ atinge os letrados, os remediados, os bem-falantes. Tive um vice, na presidência do município que, aproximando-se o fim do mandato municipal e, coincidentemente, as eleições para o parlamento, pretendeu ser candidato a deputado, ao que lhe respondi “não vamos abandonar o barco, ficamos aqui até ao fim”. Dispenso-me de mais pormenores, embora esclarecedores também. O essencial: o vice demite-se e…surpresa: mais tarde aparece  como deputado pelo partido, meu arqui-inimigo… Sem mais comentários. Agora digam lá se não tem razão a ‘Velha Senhora’- “Compra-se tudo”?!...

No 45º aniversário da Bandeira e do Hino, está visto que a ‘Velha Senhora’ reincarnou nesta autonomia. Banqueira do Povo, a ’Velha Senhora’ do dramaturgo suíço comprou tudo na aldeia de Gullen: casas e casebres, mercearias, comboios, farmácias, bombeiros, escolas, clubes, associações e até igrejas.

Mas morreu. E Júlio César também, o ‘ditador perpétuo’ que baptizou o mês sétimo, o da autonomia.

Longo será o caminho. De gerações.

Mas a AUTONOMIA VENCERÁ!

 

23.Jul.21

Martins Júnior     

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