segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A BELA E O MONSTRO: AS DUAS FACES DO PODER ABSOLUTO. QUEM AS VENCE ?

                                                                   


        É talvez o grande enigma que a esfinge do poder coloca, nesta altura, aos constituintes da soberania, os eleitores, o povo português. O Poder Absoluto! – talismã da paz e da alegria de um povo e, paradoxalmente, o rosto monstruoso do terror e da morte de uma nação, de um império. Por isso associei-o ao mito híbrido “A Bela e o Monstro”.

         Precisaríamos da intuição crítica de um ‘Édipo-Rei’ para decifrar o enigma: saber distinguir quando o Absoluto é a expressão do Bem e do Belo ou quando ele se perverte no seu contrário. E mais: possuir a perspicácia para destronar o monstro e fazê-lo regressar ao seu estatuto originário.

         Escusado será repetir aqui os velhos e sábios aforismos de que “o poder é tão sôfrego como um afrodisíaco” e que o “poder absoluto corrompe absolutamente”. Ademais, temos sobejos e repelentes casos de ditadores absolutos, os de ontem, os de hoje e os de sempre – sim, de sempre, porque as mãos que os fabricam são as mesmas, as mãos humanas.

         Com que jogos de cintura ou com que golpes de montante seremos capazes de apear ou estrangular o monstro de sete cabeças, sete chifres, mil tentáculos?... O mundo derrotou os Nero’s, a Inquisição, os Stalin’s, os Hitler’s, os Mussolini´s, os Salazar’s. Hoje, no aqui e agora, são de outro requinte os cultores do deus Pluto, como nos preveniu o nosso Francisco Álvares de Nóbrega (‘Camões Pequeno’). Quando escrevo ‘aqui e agora’, refiro-me concretamente à arquitectura piramidal do Poder Absoluto, ora instaurado em Portugal pelas mãos dos portugueses. São muitos os avatares e pesarosos os maus agoiros vertidos na praça pública contra aqueles a quem foi entregue o Poder Absoluto. Que faremos nós deste tão cobiçado troféu: a Bela ou o Monstro?

         Sabemos que a Constituição criou firmes e bem descriminadas válvulas de segurança para obviar aos desmandos do poder absoluto: o Presidente da República, o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, a Procuradoria Geral da República, a Provedoria da República, Ministério Público e, com foros de legitimidade popular expressamente representativa, a Assembleia da República.

         Não obstante a grandeza e a dignidade deste elenco de escrutinadores oficiais, eles ficam distantes, muitas vezes ocultos à visibilidade do vulgo eleitor. Há outras instituições mais próximas, reais locomotivas da soberania popular, dos seus direitos e reivindicações, tais como os sindicatos, as organizações de base, as ONG’s e afins, cujo conteúdo funcional assenta na vigilância actuante sobre as pegadas do poder. Do outro lado, há os aliados naturais do ‘absolutismo’ institucional, quase sempre (raras são as excepções) comportam-se como correias de transmissão do poder, sob pena de perda de privilégios, senão mesmo de extermínio: são órgãos de informação, são igrejas, são lideranças intermédias vigentes nas comunidades, etc.. Os titulares do poder agarram-se com avidez a determinadas corporações (e estas retribuem-lhes como rémoras subservientes  aos tubarões), formando um corpo de tenazes que, mais devagar que depressa, vão comprimindo o povo até sufocar toda a opinião pública.

         São estes os regimes onde prolifera como num charco de répteis o monstro do Poder Absoluto, caracterizado pela sua capciosa longevidade. Assim o ‘Estado Novo’ nacional, de 48 anos. Assim a ‘Madeira Nova’, da mesma idade.

           Há que encontrar um outro caminho, uma outra estratégia para impedir que “A Bela” se torne um “Monstro”. Em termos directos e eficazes, apraz-me formular o óbvio: As mãos que fabricaram o ‘Monstro’ serão as mesmas que o devem destronar! Mais concretamente: a ressonância democrática e a vigilância fiscalizadora do poder deverão ser o status quo da idiossincrasia de um povo.

Ou seja: o eleitorado, no campo ou na cidade, deveria assumir o seu estatuto, plenamente lavrado na Constituição, Art.3º: “A soberania reside no Povo”. Assim como o governo saído da votação tem o mandato de quatro ou cinco anos, assim também os eleitores deveriam estar atentos, de consciência crítica e esclarecida, durante todo o tempo em que durar a governança do seu país e do seu lugar. A grande derrota do povo não está no dia das urnas, advém da inércia de demitir-se do seu lugar, de costas voltadas, até que chegue o dia de novas eleições.

É este um tema sumamente grato para mim. Gostaria de desenvolvê-lo mais acuradamente. Haverá, ainda, outras oportunidades. De qualquer forma, deixo aqui este apelo: não será nos tsunamis dos tumultos das grandes manifestações de rua (por vezes, necessárias) que se há.de vencer o ‘monstro’ absoluto, venha ele der onde vier. É pela convicção pessoal de cada cidadão na construção do seu país, cortando os instintos megalómanos que surgirem no seu trabalho, no desporto, no ensino, na oficina, na religião, na administração pública. O ‘monstro’ move-se em toda a parte. Alerta total!

Saúdo a nova maioria que vai governar Portugal. E com o mesmo afã convoco os legítimos detentores da soberania nacional – todos nós – a mantermos vivo e autêntico o Poder como a mais Bela produção do ano de 2022,

07.Fev.2022

Martins Júnior        

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