Enquanto
lá fora é a ameaça Rússia, Donetsk, Lugansk versus
Ucrânia, Europa, EUA, que domina a cena internacional, aqui dorme-se e
estremunha-se em duas almofadas, qual delas a mais dura: os doze anos da
trágica aluvião do 20 de Fevereiro de 2010 e os dois anos do coronavírus e seus
derivados.
Solidário com a Ilha, acompanho sem
estrondo nem espectacularidade os dois
sobressaltos que sacudiram a pacata vivência dos nossos insulanos. Nas duas tragédias colectivas vejo identidades comuns e, do mesmo passo,
comuns contradições. É, pois, da trincheira do ‘Pico do Facho’ (e de todos os
Picos do Facho da Ilha) que olho a
paisagem de 2010 e compagino-a com a de 2020-2021/2022.
Ao aluvião de 2010 chamo-o de ‘Covid
Aquático’ e à pndemia actual classifico-a de ‘Tsunami Invisível’. Sejam quais
as diferenças ou as contradições, um traço comum atravessa as duas efemérides:
o fantasma da tragédia. Ambas mataram, ambas arrastaram vidas: umas, para o
grande cemitério do mar salgado, o tal “salgado das lágrimas” caídas das faces
dos madeirenses, Outras, sepultas na lama viscosa e profunda. E ainda outras desaparecidas
para sempre.
O “Covid Aquático”, o de 2010, é
líquido, ruidoso e fero como o leão da selva, igual ao adamastor dos confins do
mundo. O ‘Tsunami Invisível’, ao contrário, é silencioso, afável, entra na casa
alheia sem ninguém dar por ele.
O “Covid Aquático” toca a rebate e
chama à Ilha o Primeiro-Ministro, o Presidente da República, Ministros e
Secretários de Estado. O “Tsunami Invisível” dispensa aperaltadas visitas oficiais,
deita-se só e só também acorda na cama do seu mais anónimo hospedeiro.
O “Covid Aquático” é o gigante furioso
que salta da montanha, tomba casas e terras e é tal o berro que até consegue do
Rectângulo fabulosas toneladas de dinheiro. O “Tsunami Invisível” contenta-se
com pouco, remete-se calado ao hotel-prisão do confinamento e, passados dois
anos, até paga para “ir à ‘Junta Médica’ chamada Teste e Vacina.
O “Covid Aquático” sabe quantos mortos
fez. Mas o povo, observador e vítima, sabe que foram mais que os 47 anunciados
pelas estatísticas regionais. O “Tsunami Invisível” tem também enterrado os
seus mortos, cujo volume, dizem os governantes locais, “está sobrevalorizado”,
porque são menos, muito menos, o normal. Mas os números não mentem e não param
de subir: só nos 21 dias deste mês de fevereiro já lá foram 34 nossos
conterrâneos!
O “Covid Aquático”, passados 12 anos,
ainda não curou as cicatrizes deixadas nas casas, nas pessoas, nas linhas de
água. Inacreditável, imperdoável! Quanto
ao “Tsunami Invisível”, a nossa expectativa é que ele se aparte quanto antes da
nossa porta, dos nossos caminhos, das nossas comunidades. Tudo faremos para
isso.
Servem estes picos de observação e
introspeção para medirmos a fragilidade da condição humana – a nossa
fragilidade congénita – face à Natureza Soberana, quer no mar, quer na terra e
no ar que respiramos.
Sirva também para que nesta Ilha Nossa
se encarem com frontalidade e humildade os problemas, as intempéries, as
morbilidades, as cirurgias e as consultas adiadas. E que se fale a verdade aos madeirenses. Para
que ninguém diga que a Madeira é a república onde se branqueia tudo e onde a
administração normaliza a anormalidade.
21.Fev.22
Martins
Júnior
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