segunda-feira, 27 de setembro de 2021

PARADOXOS DA RESSACA

                                                                                  


A quem hei-de comparar aquelas duas mãos trémulas sobre um vulcão, impropriamente chamado ‘urna’,  vestida de negro?... E a que distância ficam uns dos outros, os parabéns, os choros, os traumas, os palanques, os esconderijos, as ambições e os trampolins que sobre a caixa negra se acobertam na ressaca das eleições – chamemos-lhe quarta-feira de cinzas de uma terça-feira de carnaval?!...

Enquanto os avaros contadores de boletins de voto apertam e salivam papéis com o mesmo afã como se fossem cheques bancários ou créditos  bitcoin, prefiro olhar o frenesi comum às incontáveis reações ao histórico (todos lhe dizem histórico, único, decisivo) domingo eleitoral. Aproximo-me da tenda-pipa do velho Diógenes e peço~lhe a chama do seu olhar pontiagudo para penetrar em dois patamares situados nos antípodas um do outro. E faço-o como quem procura serenar os ânimos atribulados da derrota ou refrear os estertores cavalares da vitória.

Olho, primeiro, a remota povoação de um genuíno “Curral de Moinas” e nele revejo todos os demais que se espalham por esse mundo fora. Lá estão derrubados a um canto os vencidos, o candidato ao bairro, ao beco, à sarjeta. Parece que o vulcão de ‘La Palma’ lhes caíu em cima. E agora, como vai ser isto?... Contam as espingardas, roem as unhas, queimam as pestanas sem sono, ‘eles hão-de pagar-mas’ – tudo somado, o planeta desabou.

Mas no mesmo dia, na velha Germânia e talvez na mesma hora, o SPD, a CDU, os VERDES, não têm pressa de formar governo. Com a fleuma que lhes corre nas veias, conhecem o peso que têm aos ombros, as exigências de uma economia alemã na esfera europeia, os delicados problemas diplomáticos com a Rússia, os Estados Unidos, a China. No entanto, apesar de terem o mundo no seu encalce, mantêm a serenidade, aparentemente impassível, perante os dilemas que os esperam.

Enquanto isso, em ‘Curral de Moinas’ discute-se a vereda, o poio, o tubo da varanda, o tacho pedido e agora perdido, a cunha ao presidente, a lâmpada fundida , questões ‘prementes’ que muitas vezes acabam em vias de facto e, contadas as ‘facadas nas costas’, as traições, os fura-votos, seguem~se perigosas guerras intestinas.   

 Bem sei que são os administradores das fábricas partidárias, com a habitual ganância empresarial, os autores incendiários das rixas e traumas em todos os “Currais de Moinas”, inclusive os directórios instalados que fomentam neuroses desmioladas até nas próprias cúpulas e são os mesmos que provocam depressões nos mais frágeis da população,

Ai, quantas emoções, negaças e ameaças, golpes baixos, mentiras e ilusões, promessas de compra e venda de consciência têm corrido nos subterrâneos das mesa de voto, ainda mesmo antes que o eleitor comum tenha lá chegado!...

Desdramatizemos essa passagem de nível - a votação – porque ela é feita para alcançar dias e rumos mais saudáveis e não para atirar pedras, cinzas e lavas na paisagem que é nossa. E também porque atrás de uma vem outra passagem de nível para inverter a meteorologia política em que deambulam sociedades e cidadão. “Há mar e mar...Há ir e voltar”!

 

27.Set.21

Martins Júnior

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