quarta-feira, 17 de julho de 2019

TOMADA DA BASTILHA EM MACHICO


                                                                 

      Sobrevoam ainda no ar as palmas, o canto livre, os abraços e até as lágrimas que corriam silentes no rosto enrugado dos mais velhos, os pilares daquela modesta igreja que ninguém, “nem as portas do inferno  prevaleceram contra ela” . De todas as emoções e de todos os olhares, captei num típico sotaque alsaciano esta espontânea exclamação: “Olalá, mais c´est la fête! Aussi en France, aujourd’hui  nous fêtons la prise de la Bastille”!  Era  um jovem casal recém-chegado de Colmar à sua terra natal em gozo de férias.
         Fez-me cismar, primeiro. Mas de seguida, fez-me pular de inspiração no meu íntimo. E de irreprimível júbilo. Era aquilo mesmo que se estava a passar naquele vasto recinto de festas. Mais do que um celebrativo exercício de carácter administrativo-canónico ou de uma espectacular explosão de alegria rural, o que ali decorria era uma autêntica demonstração natural do derrube de uma outra “Bastilha”: da ditadura inquisitorial, da maldição satânica (ou “Santânica”) travestida da mais supina sacralidade, enfim, o derrube da ignorância arvorada em deusa no altar de “cegos que guiam outros cegos”. O que ali estava em causa não era a aclamação, muito menos a entronização do indivíduo. Era a libertação de um Povo,  livre por dentro, mas algemado por fora. Não obstante a prisão a que nos acorrentaram, podemos afiançar, parafraseando Gilbert Cesbron, que a “nossa prisão era um reino”, onde litávamos e cantávamos, construindo o Dia Aberto da nossa Liberdade de crentes e humanos.
         Assim como a invasão da Bastilha em 1789 não foi golpe do momento mas fruto de uma premeditada elaboração de ideias e estratégias, assim também o “14 de Julho” na Ribeira Seca tem um percurso de quase 50 anos, calcetados de conhecimento e informação, enxugados de sofrimentos e clamores, iluminados pelo brilho inextinguível das páginas evangélicas que nos fizeram prosseguir viagem sem medo das minas com que armadilhavam o caminho. Chegámos, enfim!
         Não falamos em vitória, embora tenhamos  o pleno direito de dizê-lo. Falamos em abraço de reconciliação, de onde sobressaem duas palavras de ordem, como duas asas esvoaçantes, cada qual com sua mensagem: Para uns, um sentido “Perdoai-lhes, Senhor, porque (talvez!) não souberam o que fizeram”. Para outro, o actual prelado, um caloroso “Bem-Haja” e o desejo decidido de  continuarmos de mãos dadas, abrindo as pequenas e médias Bastilhas que se atravessam no percurso de todos nós, tal como cantou o nosso Poeta de Abril:

“Hei-de passar nas cidades
Como o vento nas areias
E abrir todas as janelas
E abrir todas as cadeias”
             
17.Jul.19
Martins Júnior


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