Sobrevoam
ainda no ar as palmas, o canto livre, os abraços e até as lágrimas que corriam silentes
no rosto enrugado dos mais velhos, os pilares daquela modesta igreja que ninguém,
“nem as portas do inferno prevaleceram
contra ela” . De todas as emoções e de todos os olhares, captei num típico sotaque
alsaciano esta espontânea exclamação: “Olalá,
mais c´est la fête! Aussi en France, aujourd’hui nous fêtons la prise de la Bastille”! Era um jovem casal recém-chegado de Colmar à sua
terra natal em gozo de férias.
Fez-me cismar, primeiro. Mas de seguida,
fez-me pular de inspiração no meu íntimo. E de irreprimível júbilo. Era aquilo
mesmo que se estava a passar naquele vasto recinto de festas. Mais do que um
celebrativo exercício de carácter administrativo-canónico ou de uma espectacular
explosão de alegria rural, o que ali decorria era uma autêntica demonstração
natural do derrube de uma outra “Bastilha”: da ditadura inquisitorial, da
maldição satânica (ou “Santânica”) travestida da mais supina sacralidade,
enfim, o derrube da ignorância arvorada em deusa no altar de “cegos que guiam
outros cegos”. O que ali estava em causa não era a aclamação, muito menos a
entronização do indivíduo. Era a libertação de um Povo, livre por dentro, mas algemado por fora. Não
obstante a prisão a que nos acorrentaram, podemos afiançar, parafraseando
Gilbert Cesbron, que a “nossa prisão era um reino”, onde litávamos e
cantávamos, construindo o Dia Aberto da nossa Liberdade de crentes e humanos.
Assim como a invasão da Bastilha em
1789 não foi golpe do momento mas fruto de uma premeditada elaboração de ideias
e estratégias, assim também o “14 de
Julho” na Ribeira Seca tem um percurso de quase 50 anos, calcetados de
conhecimento e informação, enxugados de sofrimentos e clamores, iluminados pelo
brilho inextinguível das páginas evangélicas que nos fizeram prosseguir viagem
sem medo das minas com que armadilhavam o caminho. Chegámos, enfim!
Não falamos em vitória, embora tenhamos
o pleno direito de dizê-lo. Falamos em
abraço de reconciliação, de onde sobressaem duas palavras de ordem, como duas
asas esvoaçantes, cada qual com sua mensagem: Para uns, um sentido “Perdoai-lhes,
Senhor, porque (talvez!) não souberam o que fizeram”. Para outro, o actual
prelado, um caloroso “Bem-Haja” e o desejo decidido de continuarmos de mãos dadas, abrindo as
pequenas e médias Bastilhas que se atravessam no percurso de todos nós, tal
como cantou o nosso Poeta de Abril:
“Hei-de
passar nas cidades
Como
o vento nas areias
E
abrir todas as janelas
E
abrir todas as cadeias”
17.Jul.19
Martins Júnior
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