domingo, 21 de julho de 2019

UMA IGREJA DUAL: EM QUAL DELAS ACREDITAR ?


                                                       

Tinha-me proposto, anteriormente, aprofundar a essência dos acontecimentos ocorridos neste modesto rincão madeirense, chamado Ribeira Seca. Porque o que mais se tem relevado publicamente, quer no áudio-visusal, quer nas redes sociais, tem a ver com um cenário transbordante de alegria, pacificação e até de um certo folclore tão caro à sensibilidade colectiva em circunstâncias festivas. Mas é pouco, muito pouco. Porque o “caso” radica em pressupostos, mitos atávicos e grosseiras  distorções que abalam os mais elementares códigos de qualquer ser pensante e, por maioria de razão, a mentalidade dos crentes, exigindo da nossa parte uma corajosa reflexão. A este propósito não me sai do ouvido e da consciência crítica aquele interpelação, em forma de samba,  do grande poeta-músico-diplomata brasileiro Vinicius de Morais: “Você que olha e não vê, Você que reza e não crê”… Mas eu quero ver – não apenas olhar – o “caso” Ribeira Seca, convidando à mesa deste repasto espiritual quem se sentir tocado por este impulso de penetrar a casca da árvore e descobrir-lhe a seiva vivificadora.
Não é tarefa mole nem túnel seguro. Por isso, enquanto procurava um foco projector que iluminasse o caminho a seguir, deparei-me com o artigo do Doutor em Filosofia e Teologia, Prof. Anselmo Borges,  em DN/Lisboa. É isto mesmo – exclamei -  o guião ou “GPS” que conduzir-me-á à meta proposta, concluindo pelo paradoxo de uma Igreja dual, quase contraditória. Ei-lo, com a devida vénia:

A Igreja tem dentro dela, inevitavelmente, uma tensão, que a conduz a um paradoxo. Esta tensão e este paradoxo foram descritos de modo penetrante, preciso e límpido pelo sociólogo Olivier Robineau, nestes termos: “A Igreja Católica é uma junção paradoxal de dois elementos opostos por natureza: uma convicção — o descentramento segundo o amor — e um chefe supremo dirigindo uma instituição hierárquica e centralizada segundo um direito unificador, o direito canónico. De um lado, a crença no invisível Deus-Amor; do outro, um aparelho político e jurídico à procura de visibilidade. O Deus do descentramento dos corações  que caminha ao lado de uma máquina dogmática centralizadora. O discurso que enaltece uma alteridade gratuita coexiste com o controlo social das almas da civilização paroquial — de que a confissão é o arquétipo — colocado sob a autoridade do Papa. Numa palavra, a antropologia católica tenta associar os extremos: a graça abundante e o cálculo estratégico. Isso dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a Torquemada.”
  É com este paradoxo que o Papa Francisco tem de conviver, ao mesmo tempo que tem feito o seu melhor para dar o primado ao Evangelho, ao Deus-Amor, para que a Igreja enquanto instituição — e é inevitável  um mínimo de organização institucional — não atraiçoe a Boa Nova de Jesus. Ele é cristão, no sentido mais profundo da palavra: discípulo de Jesus, e quer que todos na Igreja se tornem cristãos, a começar pela hierarquia. Assim, tem denunciado as doenças da Cúria, avisa os bispos e cardeais para que não sejam príncipes, anuncia para breve uma nova Constituição para a Cúria, o governo central da Igreja”.
Sublinho: Uma Igreja “que dá lugar tanto a São Francisco de Assis como a Torquemada”. E volto à pergunta em epígrafe: Em qual  Igreja acreditar?...
Agradeço. Prof. Anselmo, a luminosa pista que nos deixou hoje para descobrirmos  amanhã o “dentro mais dentro” dos acontecimentos ocorridos.

21.Jul.19
Martins Júnior

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