Foi no domingo passado,
mas ele é de todos os dias, de todas as horas, de todos os segundos. De tão
perto, tão vizinho do-pé-da-porta e tão
colado à nossa pele que até o esquecemos e, sem dar por isso, sacudimo-lo como
quem sacode do casaco quotidiano a morraça de um cigarro.
É o “Dia dos Pobres” que
Francisco Papa instituiu no domingo transacto. Dir-se-ia redundante,
super-desnecessário, atribuir “Um Dia” à pobreza. Fê-lo com a convicção de
denúncia, de protesto e luta contra o maior ‘pomo de discórdia’ da humanidade.
E, da minha parte, não podia deixar de acompanhá-lo, não só nesta semana como
em todo o seu percurso dentro e fora de Roma.
A pobreza!, o manto andrajoso
de que se veste a esmagada maioria dos
progenitores da espécie humana, o imparável ‘covid’ circular que teve
princípio, mas duvido que tenha algum fim
até ao fim dos tempos. Passados milhões, biliões, triliões de anos da história
humana, ainda estamos na estaca zero: de um lado, os povos nómadas, ‘judeus
errantes’, pré-condenados ‘ciganos’ dentro da própria casa. Do outro, os
ociosos sedentários, sardanapalos sem freio apertando o cerco aos que lhes constroem
os palácios e lhes amanham as terras. Como romper a atávica muralha da vergonha
que separa os dois mundos?
As palavras estão gastas, bem
pode aqui bradar Eugénio de Andrade. As minhas também e as de tanta gente boa
que se acha impotente perante o desconcerto deste mundo. Acção! – é o que grita
e exige o “Dia dos Pobres”. É certo que há muitos militantes da causa que, não
podendo ir mais além, descansam naquela paz mínima equivalente a umas migalhas
de acção, a umas côdeas de pão dadas pela calada da noite. Mas a grande patologia associada à pobreza não
se comove nem abala com isso. Nalguns casos, até cresce.
Tentativas de solução –
assinaláveis elas têm sido, no decurso da história – para questionar se a Terra-Mãe
traz no seu seio o ‘pão, o leite e o mel”,
para sustentar tantos filhos seus. Em 1798, com a publicação do An essay on the Princple of Population Thomas Malthus,
um clérigo cientista britânico, entendeu que não. A solução deveria
encontrar-se na redução da espécie, evitar a explosão demográfica, decorrente
dos benefícios da revolução industrial. Perante o dilema do duplo crescimento –
progressão geométrica da população versus
progressão aritmética dos recursos alimentares – foi chamada a biologia a
resolver o contencioso: limitar a natalidade. Mas em vão. A raiz do mal era
outra.
No entanto, em atitude de quase
desespero, sabendo-se do estigma que marca o pobre – filho, neto, bisneto de
pobre sê-lo-á sempre assim, pobre –
parece sustentável a solução biológica nestes outros termos: esterilizar na
fonte a procriação genética das famílias pobres. Destruído o espermatozóide indigente,
acaba-se com o flagelo geracional dos indigentes. Mas nem assim conseguiu
Hitler a supremacia étnica da ‘raça ariana’. Até porque, no caso da pobreza, o
mesmo método poderia aplicar-se aos todo-ricos, com a esterilização dos genes
milionários.
Surgem, rari nantes, na crosta terrestre as tentativas de solução político-social,
apanágio dos regimes democráticos que se
distanciam, como a noite do dia, das condições infra-humanas em que viveram os
nossos antepassados. Leis justas, procedimentos proporcionalmente igualitários,
são as conquistas populares plasmadas nos
parlamentos fiéis aos seus genuínos constituintes, o povo soberano. Não obstante os magros progressos alcançados, escandalosas
assimetrias persistem, até com o sofisticado alvor dos antros fiscais,
cinicamente transformados em ‘paraísos’.
Dir-me-ão que a subversão do normativo
natural – a terra é de todos e para todos – nasce e cresce no coração de cada
inquilino do planeta. E daí, a grande solução radicaria na mais íntima
consciência do indivíduo. Sem dúvida, a mais segura e eficaz, concordo
plenamente.
Mas a consciência é ela, mais a sua
circunstância, recordo Ortega y Gasset!
Por isso, diante do arsenal amuralhado,
camuflado de um soturno terrorismo, onde os magnatas açambarcadores da terra
municiam-se de paióis prontos a sugar o sangue, suor e lágrimas dos explorados,
esqueçamos as palavras, os dias, as semanas dos “Pobres”. Agir, eis a palavra
de ordem. Contra os revolucionários da opressão concentracionista requerem-se revolucionários da Justiça distributiva. Há casos exemplares: não fora a Revolução dos
Cravos e ainda hoje os camponeses caseiros madeirenses estariam a viver como no
século XVII sob o jugo esclavagista dos senhorios das terras. Foi preciso
coragem, resistência, justiça. Já o proclamara o Nazareno: “Bem-aventurados,
Felizes (Força!) os que têm Fome e Sede de Justiça”.
A revolução também se faz “com as Armas da Luz”
– vaticinou Paulo de Tarso, desde há mais de dois mil anos. E Francisco Papa,
testemunha ocular dos dramas da pobreza, com a instauração do “Dia Mundial dos Pobres” quis
dizer ao mundo, a nos cristãos directamente, que não basta a paz diminuta da
esmola, é preciso intervir nos centros da decisão. É dia de de persuasão
interior para acção, não apenas para a oração.
Neste item, ousaria perguntar ao Estado-Igreja, que políticas concretas
de intervenção possui para não seja vão o “Dia Mundial da Pobreza”. O Vaticano
(para o bem e para o mal) é Estado e em matéria de explícito Direito
Internacional Público deverá patentear ao mundo os seus planos - estruturais e conjunturais – para debelar o
Império dos Sedentários gratuitos, justiceiros exploradores dos nómadas
injustiçados que não se contentam em ter
apenas um Dia no calendário de cada ano.
19.Nov.21
Martins
Júnior
Poderia dar a definição de "Demagogia?"
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