terça-feira, 9 de novembro de 2021

QUANDO OS “ANJOS” SE TRANSFORMAM EM “MONSTROS”…

                                                                               


Enquanto no pequeno país se alarga o Grande Circo – aquela arena que não se farta de sangue fresco, entre velhos arqui-inimigos e entre crias da mesma mamada – enquanto isso, chegam-nos ecos de maiores ‘faenas’ que nos atiram contra a parede, que nos atordoam, até fazer-nos pensar maduramente sobre as mais absurdas metamorfoses da biologia política.

         Muito em compacto, apenas três “tiros” fortuitos, mas que poderiam alastrar-se por milhares ou milhões em todo o tempo e em todo o território. O primeiro e mais candente vem da Nicarágua, essa nesga do globo tão massacrada pelos ‘Somoza’, de cuja ditadura foi libertada pelo então herói Daniel Ortega, membro da “Frente Sandinista de Libertação Nacional”. Foi ele proposto ao mundo como o Grande Libertador, indesmentível bandeirante da Democracia contra o monstro da opressão e da corrupção. Chegam-nos, porém,  as horrendas, inacreditáveis notícias: ‘Daniel Ortega acaba de ganhar as eleições para um quarto mandato consecutivo, somado às décadas em que está no poder. De libertador tornou-se ditador, mantendo milhares  presos políticos”. Como, como é possível tamanha monstruosidade  comportamental no mesmo sistema e, pior, na mesma pessoa?!...

         O segundo episódio traz a marca da feminilidade. Trata-se da heroína  Aung Sansuu Kyi, líder do povo birmanês, uma vida de coerência e resistência contra a ditadura  militar de Myanmar. Perseguida e presa, mesmo depois de ter ganho as eleições, conquistou merecidamente o Prémio Nobel da Paz. No entanto (‘no mais fino pano cai a nódoa’) a etnia muçulmana, ostracizada no norte do país, foi sujeita às mais cruéis sevícias sob as Forças Armadas, que assassinaram 25.000 rowinga’s e provocaram 700.000 refugiados.  E a líder do seu país, já então regressada ao poder, protagonizou um horroroso fenómeno de genocídio em pleno século XXI. Como é possível?...

         Um terceiro paradoxo, Abiy Ahmed, personagem de topo na emancipação do povo etíope, promotor da liberdade, da educação, pacifista  convicto, foi também galardoado com o Prémio Nobel da Paz em 2019. Notícias mais recentes, dão-no-lo como chefe militar entre guerras fronteiriças, obrigando o seu exército a pegar em armas. Como foi possível a um Promotor da Paz postergar tão nobre estatuto e trocá-lo como fautor da guerra?...

         Por um estranho avatar, muitos são aqueles que despem a túnica branca do Anjo e vestem o camuflado eriçado do monstro! Tendo derrubado regimes ditatoriais, erguem a bandeira da Democracia nas ameias do  Castelo da Liberdade, como se fora propriedade sua, mas depois, entrincheirados lá dentro, engendram (oh maquiavélica sina!) os novos e hediondos fantasmas da ditadura. Podia aqui citar bandos desses ‘exemplares’, talvez aqui mesmo perto de nós. Parafraseando Jean Jacques Rousseau (O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe) direi: O político nasce bom, bem intencionado, o poder é que o corrompe e deforma.

         Quem poderá barrar-lhes o passo e neutralizar os mísseis letais que caem, coloridos como prendas de Natal, na lareira, na sala, até no nosso quarto de dormir, sem darmos por isso?...

         Sem darmos por isso! Essa é a questão e essa é que é a resposta: pé ante pé, deixamos o ditador entrar,  sentar-se à nossa mesa (sempre sem darmos por ele…)  beber do nosso vinho novo. E quando acordamos é que descobrimos os “vampiros” a que demos guarida, como bem avisou José Afonso.

         Só o Povo – e mais ninguém – pode evitar que os anjos se transformem em monstros!

 

         09.Nov.21

         Martins Júnior

Sem comentários:

Enviar um comentário