sábado, 31 de agosto de 2019

QUEM ACEITA O ÚLTIMO LUGAR NA LISTA OU NA MESA?!


                                                    

Fim de semana e fim de Agosto. Fim de férias e de festas. Foguetes em estalos do fim. E, enfim, o anunciado estertor de  candidatos ao galarim  do poder e da fama.
Mas não vou por aí. Vou para onde me leva, como habitualmente, o Livro lido de sábado para domingo. Não tanto pela letra quanto pelo espírito que em cada linha se nos revela. E o que nos revela é o rosto lavado e livre do meu Mestre Nazareno. Vale a pena abrir o texto de Lucas, 14.1.7-14.
Em nenhum parágrafo, em nenhuma linha o Místico de Nazaré evoca, muito menos invoca, o Senhor Deus, o Pai, o Templo, o Santuário. Tão-só uma nótula de civilidade, das boas maneiras, apenas um código de conduta no protocolo social, cirurgicamente dirigido, no caso em apreço, à burguesia urbana de Jerusalém. Cheia de humor negro, verrinoso, é verdade, mas pautada sempre pelo equilíbrio, esta mensagem tal qual se vê não ultrapassa as raias das normais etiquetas da praxe quotidiana.
Foi por cenas idênticas que os fariseus e sumos-sacerdotes do Templo ostracizaram o Mestre, trataram-no por Satanás, tentaram convencer a ,multidão de que Ele era a reincarnação de Belzebu. Porque Ele só falava do homem e da mulher, acariciava as crianças, curava os enfermos, promovia o ser humano em todas as suas dimensões. O “crime” do Nazareno era o de abrir portas e janelas nos cérebros manietados e apodrecidos dos seus contemporâneos. Na centralidade de toda a sua movimentação pública estava a humanidade, por vezes acima da divindade, mas sempre ao lado dela. Para a sociedade teocrática do seu tempo, cilindrada como estava sob as botas cardadas de um deus moisaico, armado e justiceiro, a mundividência do Mestre e a sua nova pedagogia  constituíam uma afronta aos poderes oficiais. Daí, a “excomunhão” que os auto-proclamados donos da religião descarregaram contra Ele, até ao cúmulo do assassinato.
No episódio de hoje e de amanhã, o Mestre observa a estratégia bacoca dos convidados àquele jantar, cada qual espreitando a melhor oportunidade de agarrar os primeiros lugares na mesa de honra. É a ganância de mil braços, o oportunismo despido, o assalto programado. É aí  que brilha o nosso Mestre com o seu discurso transparente e breve, mas tremendamente cáustico para uma plateia de brasonados pelo dinheiro, iluminados pela prosápia classista do farisaísmo pseudo-religioso:
    
 Naquele tempo,

Jesus entrou, a um sábado,
em casa de um dos principais fariseus
para tomar uma refeição.
Todos O observavam.
Ao notar como os convidados escolhiam os primeiros lugares,
Jesus disse-lhes esta parábola:
«Quando fores convidado para um banquete nupcial,
não tomes o primeiro lugar.
Pode acontecer que tenha sido convidado
alguém mais importante que tu;
então, aquele que vos convidou a ambos, terá que te dizer:
‘Dá o lugar a este’;
e ficarás depois envergonhado,


Parece que ainda não estava satisfeito o nosso Mestre. Faltava-lhe a cereja em cima daquele bolo do seu discurso. Proletário entre capitalistas, apesar de convidado pelos distintos “pares da aristocracia reinante” que excluía os párias da sociedade, Ele não se conteve sem denunciar ali, ao vivo, as gritantes assimetrias sociais do seu tempo, o paradoxo abissal que aquela fina e lauta mesa escondia. E arranca com esta sentença capital:
     

Jesus disse ainda a quem O tinha convidado:
«Quando ofereceres um almoço ou um jantar,
não convides os teus amigos nem os teus irmãos,
nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos,
não seja que eles por sua vez te convidem
e assim serás retribuído.
Mas quando ofereceres um banquete,
convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos;

e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te:



Para quê mais palavras?... Ó grande Mestre, intrépido arauto da Justiça e do Direito no reino dos homens! Razão tenho eu em dizer e repetir; “Se cá voltasses, eu punha a minha cabeça onde tu pões os pés”.
Tremenda e inexorável sanção para os  pregadores da sua mensagem!
Devorador que sou de homilias e demais oratória sacra, devo confessar o quanto me incomoda e até indispõe no corpo e no espírito quando, em certos sermões, sobretudo nas festas religiosas de verão, oiço o orador que, em quinze vocábulos, repete dez vezes o nome de Jesus, o Senhor e similares, daí partindo para voos esotéricos, a que chamam meditações sagradas. Aprendamos com o Mestre. Directo, fraterno, humano! Agora percebe-se, em plena evidência, a grande paixão do sábio Padre Teilhard de Chardin, que dedicou toda a sua vida de cientista a demonstrar que é pelo humano que se chega ao divino.
Na ponte que liga Agosto a Setembro, o Mestre dá uma portentosa lição de urbanidade e educação cívica e social. Por isso, não estarei longe da verdade ao afirmar, durante largo tempo, que em certas circunstâncias o povo precisa mais de educação que de religião!
31.Ago-01.Set/19
Martins Júnior  

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