Irresistível,
porque encantatório e libertador!
Após
ter evocado no texto anterior os 100 anos do fascismo, soprou do firmamento da
história uma onda azul que a todos nos envolveu e como que nos purificou do secular
breu fascista. Aconteceu ali mesmo à beira-mar da cidade e, como que para
ironia dos tempos, num local de outrora, denominado “Cais do Carvão”. Ali, num
toque de magia, descarbonizou-se simbolicamente a grande noite do fascismo.
Porquê?
Comemoravam-se
100 anos da mítica colectividade que firmou a sua chancela na historiografia
musical da Madeira, sob a designação de ORFEÃO MADEIRENSE. Por isso lhe chamo Irresistível,
Encantatório, Libertador a este dia memorável!
São frágeis as palavras – e, por isso, parcas
também serão – para desentranhar as emoções deste momento que perpetua um
século de ritmos, baladas, árias, barcarolas, alleluias, marchas triunfais e
melancólicas elegias. Quantas centenas, milhares, talvez milhões de vozes
brancas, sopranos angelicais, timbrados barítonos e cavos ‘baixos’ profundos
encheram a cidade e a ilha, fruto do labor intenso, inquebrável de homens e
mulheres cujos nomes a memória do tempo esqueceu mas que ficaram gravados em
caracteres de ouro nas divas aras de Orfeu! A todos os ouvi e ‘adorei’ dentro
daquele velho ‘coliseu’ a-céu-aberto. Desde o seu fundador, o eminente
musicólogo e intérprete Dr. Passos Freitas, até aos vários maestros dos quais
recordo mais de perto o meu professor Pe. Dr. Rufino Silva e o colega e amigo
Victor Costa.
Sensibilizou-me
a interpelação da mais antiga orfeonista, ainda no activo, quando me perguntou:
“Então, vem matar saudades do seu tempo?”… Lembrava-me ela a época (já lá vão
algumas décadas) em que prestei a minha modesta colaboração como director artístico
do Orfeão Madeirense e daquele inolvidável espectáculo de Fim-de-Ano na lagoa
dos jardins públicos da antiga Quinta Vigia.
E o “Cais do Carvão”!... Como eu o conheci, há
cerca de 70 anos, o nosso local de passeio semanal, os muros em ruínas, a
maquinaria da velha fábrica - ainda lá estão alguns vestígios – o mesmo mar ao
lado galgando as mesma pedras do ‘calhau’…
Belíssima
iniciativa do Orfeão em convidar o Grupo Coral de Machico e o Grupo Coral da
Ponta do Sol para “damas de honor” do
seu centenário.
E
de tudo quanto vimos e ouvimos – outras são as vozes e outros os reportórios –
o que fica é a grande lição da história: Valeu a pena! Talvez atravessar o “Cabo
Bojador”, vencer baixios e nortadas, aguardar enseadas estratégicas… mas nunca
desistir! Cada um de nós e cada geração somos um episódio na grande novela do
Tempo!
Parabéns
ao ORFEÃO MADEIRENSE!
Os
vossos 100 anos de sonora liberdade contribuíram também para apagar o rasto de
100 anos de desafinada e desatinada escuridão.
27.Set.19
Martins Júnior
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