Não
foram as tropas de Junot ou Massena que
puseram em solo português a marca napoleónica que mais tarde se foi infiltrando
até impor-se definitivamente no linguajar dos fins-de-verão de cada ano – a famosa
Rentrée.
Quer seja entrada ou reentrada, começo ou recomeço - é dela que
falamos. Fica-nos até a tradução semântica da “rentrée” como a de uma primavera
extemporânea, mas com a mesma intensidade da terra arável que se abre em
promessas mil ou como o despertar de uma letargia hibernal para a energia
fértil do sol da manhã.
Ei-las
que surgem, as “rentrées” de Setembro: umas coloridas, vistosas, outras
tímidas, expectantes, outras ainda silenciosas. A primeira é a “rentrée”
política, aquela que deu nome a todas as
outras e, por isso, é a mais ruidosa, importuna e atrevida, que invade as
casas, os adros, as rotundas, as avenidas, enfim, aquela que mexe com tudo o
que mexe e vota. Segue-se-lhe a não menos retumbante, bombástica “rentrée” dos
futebóis, dos fanáticos esgrouviados, dos intragáveis “doutores da bola” que agarram
a segunda-feira de todas as estações televisivas. Chegam ainda as “rentrées” das férias, voos e cruzeiros carregados de
cansaço, com o espectro do trabalho à porta. Outras são as “rentrées”
escolares, da pré-primária que deixa correr uma lágrima furtiva na face das
mães quando deixam a criança na escola, a reentrada no liceu, o ‘privilégio’ da
faculdade. Tantas e tantas são que marcam vincadamente a estação e a psicologia
de cada “caloiro” ou “veterano” da vida! Até nos oásis oficiais do sagrado – leia-se
hierarquia eclesiástica – as sotainas voam como pássaros extra-terrestres, de
cor preta, vermelha ou escarlate, uns para as capelas rurais, outros para as
nunciaturas ditas apostólicas (caso de Portugal) e outros para o purpúreo principado
do cardinalato.
Reabrem-se
as portas. Resta saber com que espírito entram todos esses corpos. Corpos que
somos nós! Com que passo franqueamos a entrada ou reentrada? Faz toda a
diferença não tanto o tempo mas o modo de atravessar o portão. Por isso, num
outro dia deixei escapar aqui este desabafo: diz-me qual a tua “rentrée” e eu
dir-te-ei quem és. Percorrendo as diversas alas descritas no parágrafo
anterior, detectamos como são tão distintas, algumas até contraditórias, as “rentrées”
de cada ser, de cada classe profissional, de cada estatuto social, de cada
faixa etária! Há os que são levados pela sofreguidão do poder, outros cujas
chuteiras andam e tresandam a livros de cheques, a cofres dos euros e dólares,
ao purulento cancro da corrupção. E sentem-se bem nesse seu meio ecológico! Há,
ainda, os criadores de sonhos, almejando o enriquecimento cultural, espiritual,
o seu e o daqueles que usufruirão da sua entrega total. E, nos antípodas, há os
mercenários e os que das alfaias sagradas fazem trampolim para os altares da
fama, do poder e do dinheiro…
Aqui
chegados, à porta da nossa “rentrée” está a inexorável sentinela da nossa
própria consciência, semelhante à misteriosa esfinge de Tebas. E pergunta:
Com
que alma e coração reentras no “ano novo” que Setembro te oferece?...
Só
saberá responder-lhe quem tiver a coragem de empreender a grande, a maior e
sempre quotidianamente repetida viagem da vida: a viagem para dentro de si
mesmo. Onde haverá por aí quem queira fazer a “rentrée” para dentro de si
mesmo?!...
17.Set-19
Martins Júnior
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