Tal
como o ventre da terra espera, no tempo certo, as amendoeiras em flor e a flor
das cerejeiras, o lourejar das eiras e o som metálico no corte das vindimas,
assim o povo espera a Páscoa e canta, faz repique e dobre do mar à serra: “Aleluia,
Jesus ressuscitou, Viva Cristo Ressuscitado, Aleluia, Aleluia”!!!
É
a evocação do ano “33”. E é também uma quase inadiável, necessária explosão
orgânica do colectivo social, sobretudo aquele marcado pela educação
civilizacional cristã do ocidente. Ano sem Páscoa é vazio, como terra sem Natal
é terra ardida. Não fora esse Domingo memorável, não teríamos a apoteose ascensional do “Halleluiah”
de Frederic Haendel!
Mas
são tão diversas as traduções evocativas do fenómeno. Há uma diferença abissal,
estrondosa, entre o facto e a memória dele. Da narrativa bíblica, pouco mais a
registar do que um silêncio mítico, um sigilo de pesada contenção sobre o
assunto. Mesmo entre os amigos e militantes colaboradores do Mestre, então Ressuscitado,
nada de espectacular, ninguém o alevantou aos ombros, nem o transportou até às
portas da cidade de Jerusalém. Comparada com a ruidosa manifestação do Domingo
de Ramos, o Domingo de Páscoa foi um zero absoluto.
No
entanto, a memória do facto é um
tremendo contraste com a realidade, digamos que a cópia contradiz o original.
Actualmente, a festa é “brava”, no sentido de que um vulcão de pujança e alegria
incontidas remexe terra e mar, doura e embandeira a paisagem, percorre os
templos, as ruas e avenidas até galgar as montanhas, numa manifestação da mais
avassaladora publicidade.
Não
haverá nada a inferir desta notória contradição?...
Atenho-me
ao original, ao facto. Para o Nazareno, conhecedor profundo da psico-sociologia
humana, o mais determinante – e o único móbil da sua Ressurreição – não era a
revivescência da estatura física, o seu corpo saído do túmulo. Era outro.
Consistia exclusivamente na ressurreição e/ou continuidade do seu ideário, a
realização do seu programa, do sonho que trouxe ao mundo, pelo qual deu a vida,
mas não conseguiu realizá-lo. Transformar o mundo, “renovar a face da terra”,
enfim, salvar a humanidade. Ele, durante três penosos anos indicou o caminho:
dignificar o Homem, formado “à sua imagem e semelhança”, e colocá-lo na centralidade da história.
Restituir-lhe a dignidade perdida.
Será,
porventura, a meta dos grandes líderes e reformadores da humanidade: perpetuar
a sua obra. Dos mestres, dos próprios pais, a maior glória não está no mausoléu
que lhes constroem. Está nas mentalidades, nos discípulos, nos filhos, na
construção do mundo novo com que eles sonharam e por que lutaram.
Ao
nosso Mestre ressuscitado cantam-lhe hossanas e aleluias, há mais de dois mil
anos. Já estará aturdido com tantos coros, panegíricos altissonantes, arraiais sem conto.
Apetecer-lhe-á perguntar: E vós… estais vós vivos ou mortos? … Quando é que removereis do vosso lugar, do
vosso país, do vosso planeta, a pedra tumular onde jaz tanta gente minha, tanto
homem, tanta mulher, tanta criança, que ainda não viram a luz de uma manhã de
Páscoa?... É aí que Eu quero ver-me ressuscitado!
“Estou
farto das vossas festas, dos vossos incensos e holocaustos” (Isaías, 1,11-14). “Desprezo e detesto as vossas assembleias
solenes, os vossos cânticos e as melodias dos vossos instrumentos” (Amós, 5, 21-23).
Estas
duas páginas, escritas embora séculos antes do fenómeno pascal, merecem ser
lidas, pois ilustram no seu contexto o conteúdo da mensagem do Ressuscitado –
um verdadeiro Grito de Vitória à justiça e à verdade, pedras basilares na
construção de um mundo habitável, saudável e salvável, no sentido holístico
desta expressão.
De
que teria servido a Ressurreição de Cristo se
não nos movesse a vivermos atentos, vigilantes, ressuscitados? Na hora
presente, perante a morte iminente com que nos ameaça a pandemia - palmas,
cânticos, homenagens e força a todos aqueles que promovem a verdadeira Páscoa
no serviço às vítimas do Covid-19!
Parafraseando
Paulo Apóstolo – “Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa fé” – ousarei acrescentar:
Se cada um de nós e se a sociedade global não ressuscitar um pouco em cada dia que passa, então foi vã a
ressurreição de Cristo. Páscoa será o 25 de Abril! Páscoa será também o 1º de
Maio!
Foi
ainda nesta perspectiva que escrevi o poema do último ‘blog’ e foi no mesmo
objectivo que encimámos no nosso templo o anúncio da primavera libertadora:
RESSUSCITOU
NÃO ESTÁ AQUI
ESTÁ EM TI
13.Abr.20
Martins Júnior
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