Entre
os dois dias ímpares - 13 e 15 de Julho – não há mais que a distância de um parágrafo.
Melhor dito, só vai a distância entre as premissas e a conclusão de um
silogismo.
O
espírito crítico e a lógica do silogismo, para lá da sua aplicação estritamente
académica, também emergem da simples observação do real quotidiano. Tanto
brilham na definição da filosofia aristotélica, como se afirmam na análise do
mais vulgar acontecimento, seja a nível de saúde, finanças, cultura ou mero
folclore. É o caso do certame das Sete
Maravilhas da Cultura Popular da Ilha-Região madeirense. Descontadas as
normais derivas do público votante, como enunciei anteriormente, passarei hoje
pelo crivo da Razão as sete ‘candidatas’ ao pódio, focalizando-as pelos
critérios já enunciados: longevidade, idiossincrasia, genuinidade e/ou
originalidade.
Aleatoriamente,
começarei pelas Bonecas de massa, presença
habitual nos tabuleiros da confeitaria popular dos nossos arraiais. Artísticas,
sem dúvida, que até deram inspiração para o belíssimo painel colocado à chegada
ao nosso aeroporto, da autoria do ilustre madeirense Rigo. No entanto, em
termos de originalidade criativa, as Bonecas
de massa pouco diferem do chamado ‘galo’ de Barcelos ou, até mesmo, do
boneco das ‘Caldas’. Além de que já caíram em quase total desuso.
Idêntica
observação poderá fazer-se dos Tapetes de
Flores, peça ornamental de tocante sensibilidade religiosa nas procissões
do Santíssimo Sacramento por todas as freguesias e paróquias da Madeira.
Finíssimos rendilhados florais, delicados ícones esparsos pelo chão, à passagem
da custódia flamejante sob o majestoso pálio. Uma nota, porém: não são
‘autóctones’, carecem de originalidade, visto que eles aí andam replicados por
esse país fora, desde as ilhas ao Continente, alguns até com inegável
superioridade artística.
Quanto
às Casas de Colmo de Santana, essas
incarnam bem a vivência de um povo, o seu passado, as condições de
habitabilidade, a sua economia circular (em que tudo era aproveitado) e a
dureza do trabalho rural. Fazem a delícia dos olhos, na elegância pitoresca das
suas linhas. Mas há um manifesto desfasamento da realidade: é que, actualmente,
já ninguém as habita, porque ninguém as constrói. Mesmo em Santana. Tal como as
antigas “casas de matope” do Porto Santo.
Não passam de típicas peças decorativas, ‘para turista ver’.
Não
obstante o portentoso impacto da Noite do
Mercado no Funchal, antecipando o Natal, a multidão vagante como ondas
entre as ruas adjacentes e lá dentro um vistoso coro de vistosas vozes e caras
publicitárias, nota-se algo de certo modo elitista, também ‘para dar nas
vistas’. Muitos aplausos que mereça, sobra-lhe em verniz o que lhe falta em
genuinidade tipicamente madeirense. Em seu lugar, candidataria os consagrados
arraiais de três ou quatro freguesias da Ilha.
Chegámos
ao super-famoso Bailinho (ou Bailhinho) da Madeira, uma espécie de ‘hino nacional’
cá do burgo ilhéu. E de tal jaez que instintivamente todo o madeirense é
empurrado para a urna eleitoral, de rajão, ‘ferrinhos’ e castanholas, ao som do
Bailinho. Apesar de todo o meu pendor
regionalista, não farei parte da romaria. E digo o porquê: o nosso super-famoso
Bailinho, no cômputo cronológico da
Ilha, é uma criança. Terá ramos, flores e frutos, mas não tem raiz nem tronco
por onde corra a seiva da pura árvore genealógica madeirense. Lembro que o Bailinho nasceu em 1938, quando um grupo
do Arco da Calheta (honra lhe seja feita!) veio ao Funchal participar numa
quermesse de beneficência. Portanto, tem 82 anos incompletos – uma gota de água
num oceano de 600 anos de história. A
sua divulgação nos vários continentes pela voz do talentoso Max ganhou créditos
internacionais, interpretado até por grandes orquestras de renome mundial. Pode
dizer-se que o Bailinho já não é só
nosso, é de todo o mundo.
Ao aproximar-me do Bordado da Madeira, curvo-me e ajoelho nas margens desse imenso e
caudaloso rio de “Lágrimas Correndo Mundo”, como lhe chamou o nosso mais
conceituado romancista Horácio Bento de Gouveia. Homenagem à Mulher Madeirense,
já antes lhe prestara a grande escritora Maria Lamas e, neste caso, à
Bordadeira, símbolo do sacrifício e da arte, apertando agulha e linha até altas
horas da madrugada, para receber o magro salário, complemento da economia
familiar. Desde a mesa do Rei ao altar de Deus, lá está o bordado Madeira,
merecedor do galardão maior das Sete Maravilhas.
Ex aequo, coloco
na mesma galeria os Fachos de Machico. Seja-me
permitido, porém, (sem a mínima sombra
de patrioteirismo bairrista) entronizá-los
acima das restantes candidatas, até mesmo da do Bordado, visto que este segmento artesanal do bordado não é
apanágio exclusivo da Ilha. Não fora o risco de maçar quem me lê, teria todo o
gosto em tecer as mais devotadas loas àquele monumento que considero um dos expressivos repositórios do património madeirense – Os Fachos!
Porquê?
Primeiro,
pela sua ancestralidade. A sua origem radica-se nos primórdios do Achamento da
Ilha, tornando-se pouco depois o mais eficaz sistema de defesa dos habitantes
contra as investidas dos corsários que saqueavam a Madeira e o Porto Santo,
razão pela qual estas duas ilhas ainda hoje mantêm a toponímia “Pico do Facho” em pontos estratégicos de
defesa do território. Os vigias davam alarme público quando avistavam as
corvetas invasoras. Por isso, refere o investigador Adriano Ribeiro, que “os fachos faziam
parte das vivências da população, pois estava-lhe impregnada no
sangue, devido às muitas vezes em que foi dado o alarme da aproximação de
inimigos”.
Ultrapassada
a fase periclitante da pirataria marítima, a população não deixou cair a velha
tradição e, tocada pelo sortilégio das luminárias em plena noite,
espiritualizou-as. Direi que, numa colectiva metamorfose cultural, o povo sacralizou os Fachos, dirigindo a chama defensiva
de outrora noutra direcção: a homenagem à Festa de Cristo-Eucaristia, todos os
anos no último sábado de Agosto.
Além
da ancestralidade, Os Fachos persistem
na actualidade. São genuínos, são originais, são totais, enquanto condensam a amplitude cronológica da história da Ilha, exprimem a cultura reinventiva de um povo,
demonstram em cada ano o impressivo ADN dos seus antepassados. Por isso e
porque desde a juventude acompanhei o esforço da população na saga iluminante,
dediquei-lhes a canção que, há mais de meio século, entoamos em Machico:
Os Fachos na serra
Altos a brilhar
São a voz da terra
Que fala a cantar
Cantigas de amor
Pão e vinho novo
Bendito o Senhor
Pela voz do Povo
Eis,
enfim, as razões do meu voto. Escolho Os
Fachos!
15. Jul.20
Martins Júnior
......pode até ser verdade..... mas não é parte diária da vida popular.....enquanto o bailinho e o bordado estão entranhados localmente e por esse mundo além...Vi no Navio escola sagres uma toalha bordada durante sua estadia no porto de santos brasil.... e a aglomeração de pessoas à volta daquele tesouro era sinal da admiração etérea pela arte das mulheres da nossa terra... e o bailhinho então... faz parte de muitas pessoas por cá...
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